Elisa Fasolin Mello*
Fechamos mais de um ano da real chegada do coronavírus em nossas vidas. De longe, acompanhávamos, sem muita preocupação, o que acontecia na China e em países vizinhos, sem imaginar que, após quase 15 meses, a vida de todos os brasileiros mudaria completamente. Nada mais será como era antes.
Com a chegada da covid-19 no Brasil, começamos a ver a pandemia com outros olhos. Não era uma simples gripe, e sim uma doença letal de contaminação acelerada. Após esse primeiro impacto, o do medo de contrair o vírus, tivemos outras situações que raramente vivemos: a reclusão, o isolamento e a alteração da rotina. De uma hora para outra, trabalho, casa e locais de ensino se tornaram um único lugar.
Se fosse somente isso, já iríamos sentir bastante, pois o ser humano não gosta de mudanças. A rotina e a estabilidade geram uma situação mais confortável do que a variação e a transição, ainda mais ela sendo forçada, como foi e vem sendo durante a pandemia. Vale lembrar que a resiliência é a capacidade do indivíduo de lidar com os problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos e resistir à pressão em momento de adversidade.
O distanciamento social segue sendo a maior e melhor forma de proteção, diante de taxas de vacinação ainda pequenas. Por outro lado, o esgotamento mental leva a deslizes em busca de maior liberdade, o que gera maior contaminação e, consequentemente, maior ocupação dos leitos e aumento do número de óbitos. Serviços e profissionais de saúde não suportam mais lidar com tudo isso. A, a pandemia não é só o vírus que mata; ele machuca física, emocional e mentalmente, e essas lesões (invisíveis) não poderão ser cicatrizadas, ficarão marcadas para sempre.
E são essas cicatrizes que podemos chamar de quarta onda: o medo, o sofrimento, as angústias, o desespero, as perdas (físicas, financeiras, emocionais). É algo que não podemos mensurar, quantificar, estipular prazos de duração e/ou tratar com vacina. Atinge não só os profissionais de saúde ou quem perdeu um ente querido; mas todos nós, das crianças (que deixaram de frequentar as escolas e perderam o convívio social) aos idosos (que lidam com a solidão e interromperam tratamentos).
A quarta onda, infelizmente, já é realidade. Observo em minha prática médica a busca de novos pacientes com sintomas de ansiedade, depressão, descontrole de impulsos, alteração do sono, comportamento de autoflagelo e risco de suicídio. À medida que a pandemia evolui, evidencia-se a susceptibilidade a múltiplas perdas. O impacto do medo, da preocupação com a propagação do vírus, da perda da segurança financeira, das interações sociais e dos entes queridos pode trazer consequências diversas à saúde mental. Algumas surgem no momento em que essa perda é vivenciada: sem uma despedida adequada em um velório, podem surgir traumas de um luto mal elaborado.
Entretanto, é necessário encarar a realidade. Até podemos ignorá-la, mas não podemos fugir, afinal essa é a nova realidade. É preciso aceitar estes novos tempos e avaliar como pretendemos viver se este contexto persistir por mais alguns anos. Levantar os pontos positivos e negativos: como posso me beneficiar com essa reflexão, principalmente com os pontos positivos? Redefinir os objetivos, analisar novas escolhas, deixar algumas para trás, adaptar outras e criar novos propósitos. Também é necessário levantar recursos reais, conforme as ferramentas disponíveis. Respeitar e seguir as orientações sanitárias de forma individual e coletiva, pois entendemos e sabemos que a vida tem que continuar, porém em um novo formato. Estatísticas afirmam que para cada pessoa contaminada por covid-19, teremos outras 40 pessoas com doenças mentais. Ou seja, a situação é mais delicada do que imaginamos, o momento realmente não é fácil, mas precisamos ter esperança de que dias melhores estão por vir, e, quem sabe, daqui um certo tempo possamos estar escrevendo novos e reconfortantes capítulos sobre o coronavírus.
*Psiquiatra