Patinho feio da neurologia, a enxaqueca foi por muitos anos desprezada no campo científico. O desdém pela doença genética – e até hoje sem cura – resultou em improvisadas opções de tratamentos para aliviar a dor: os remédios mais usados hoje vieram de outras áreas, como anticonvulsivos. Mas o cenário vem mudando. Em 2018, chegaram ao mercado internacional os primeiros fármacos com finalidade específica para esse tipo de dor de cabeça. Até o fim do semestre, devem começar as vendas no Brasil dessa nova classe de remédios chamada de anticorpos monoclonais, medicamentos biológicos a serem utilizados uma vez por mês e que agem diretamente na molécula causadora da dor.
— Nos Estados Unidos, mostraram ser mais eficazes do que os remédios que já existiam. E praticamente não causaram efeitos adversos. No Brasil, o primeiro deles chega em junho. Outros dois estão em processo de aprovação — conta Fernando Kowacs, coordenador do Núcleo de Cefaleia do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.
Membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC), Kowacs explica que essas drogas diminuem a frequência e a intensidade da enxaqueca. Por serem biológicas, são eliminadas mais lentamente pelo organismo. É isso que permite dosagens mais espaçadas. Sua aplicação é subcutânea e inapropriada em idosos e crianças. Embora utilizadas por cerca de 200 mil pacientes nos Estados Unidos, foram testadas apenas em adultos que não pretendem engravidar. Portanto, os efeitos na gestação também são desconhecidos por enquanto. Lá, as 12 injeções anuais custam cerca de US$ 7 mil.
Há casos em que o medicamento zerou as crises, um sonho que Dienefer Seitenfus, 38 anos, persegue até hoje. Ainda na adolescência, a advogada percebeu que aquela dor dia sim, dia não fugia da normalidade e que a automedicação não era o recurso correto. Sem saber a qual especialista recorrer, procurou um otorrinolaringologista. As dores, para ele, vinham da rinite. Não vinham. Ainda com acessos periódicos, foi atrás de um oftalmologista. Falta de visão foi a sentença, mais uma vez equivocada. Depois de mais crises, sentou diante de um neurologista e ouviu o diagnóstico: enxaqueca, doença considerada a sexta mais incapacitante do mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
— Ele explicou que era a manifestação de excessos. Então, fui tentando entender o que eram os excessos que eu cometia enquanto tomava remédios indicados por ele. Hoje, com 38 anos, assusta lembrar da quantidade imensa de medicação que eu tomava indiscriminadamente antes de procurar ajuda especializada — avalia.
As crises diminuíram, mas ainda acontecem pelo menos três vezes por mês por cerca de quatro horas cada.
Segundo neurologistas, os episódios de enxaqueca podem durar até três dias. Nos piores, é necessário atendimento hospitalar. Luminosidade e ruídos, por menores que sejam, fazem a cabeça pulsar. O sintoma vem acompanhado de tontura, náusea e até vômito.
Aos 34 anos, Dienefer teve um ataque isquêmico transitório (AIT) decorrente da enxaqueca, conforme apontaram médicos. O AIT também é conhecido por mini-AVC ou AVC transitório.
A convivência com a dor a fez entender quais excessos desencadeavam o sofrimento. Melhorou a alimentação, passou a fazer atividades físicas, deu mais importâncias às noites bem dormidas e tenta evitar situações de estresse. Trabalhos que exijam esforço físico e mental demasiado, em geral, são negados pela advogada.
– Até encontrar o tratamento certo, eu não tinha vida. Eu tinha enxaqueca. E ela vinha como uma faca sendo enfiada na minha cabeça – descreve.
O que é enxaqueca?
É um dos tipos de cefaleia, nome científico das dores de cabeça. Trata-se de uma doença neurológica, genética e crônica, cuja principal característica é a dor de cabeça latejante.
Quais são os outros sintomas?
- Sensibilidade a luz, cheiros e barulho
- Náuseas e vômitos
- Visões, como pontos luminosos, escuros, linhas em ziguezague que antecedem ou acompanham as crises de dor
- Formigamento e dormências no corpo
- Tonturas, sensibilidade a movimentos ou passar mal em viagens de carro, ônibus, barco
Quais fatores podem desencadear uma crise?
Muitas pessoas têm dor logo após períodos de estresse ou excitação. Mas há outros fatores. Veja os mais comuns:
Alimentos e bebidas
- Queijos amarelos envelhecidos
- Frutas cítricas
- Banana
- Linguiças
- Salsichas e alimentos de coloração avermelhada em conserva
- Frituras e gorduras
- Chocolate
- Café, chá e refrigerantes a base de cola
- Aspartame
- Vinho
- Cerveja (ou chope)
Hábitos de alimentação e sono
- Ficar mais de cinco horas seguidas sem comer
- Dormir mais ou menos do que o habitual
Variações bruscas de temperatura e de umidade do ar
- Sair de um lugar quente para um frio ou vice-versa
- Ingestão de líquidos gelados com o organismo aquecido
Menstruação e fatores hormonais
- É comum às mulheres ter enxaqueca nas fases pré, durante ou pós menstruação
- As crises pioram quando começam a usar anticoncepcionais orais
- Há mulheres que, na menopausa, melhoram espontaneamente e voltam a ter crises ao iniciarem a reposição hormonal
O que fazer quando tiver uma crise
- Procure um local fresco e escuro para recostar
- Coloque gelo sobre as áreas doloridas
- Tome o medicamento para crise recomendado pelo médico
- Beba água e coma moderadamente
- Descanse
- Quem sofre de enxaqueca deve carregar medicamentos que aliviam a dor. Consulte o seu médico
Fonte: Ministério da Saúde
Botox como ferramenta
A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, comumente utilizada para correções faciais – as linhas de expressão do rosto. Popularizada pela marca Botox, sua utilidade como ferramenta de alívio da enxaqueca foi descoberta casualmente. Portadores da doença perceberam a redução das dores após aplicações para outras finalidades. O método é indicado para casos com frequência igual ou superior a 15 dias por mês de sofrimento e precisa ser aplicado a cada três meses, seguindo protocolo específico. A substância precisa ser injetada em 31 a 39 pontos espalhados por testa, nuca, ombro e lateral da cabeça. Ao todo, são utilizadas de 155 a 195 unidades de Botox.
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