"Febre amarela é uma farsa criada para vender vacinas".
"Médico de Sorocaba diz que vacina paralisa o fígado".
"Própolis espanta o mosquito da febre amarela".
Catastróficas, acusatórias e até aparentemente inofensivas, as notícias falsas sobre saúde têm se espalhado com frequência pelas redes sociais e aplicativos de mensagens e estão causando muita preocupação a autoridades sanitárias e médicos em todo o mundo. Mais do que afetarem apenas o indivíduo que acredita nelas, têm a possibilidade de virarem um problema de saúde pública.
A partir, aparentemente, da má informação, foram identificados casos recentes de retomada de doenças que já não eram registradas de maneira significativa havia tempo. Foi assim com o sarampo em partes dos Estados Unidos e em países da Europa e com casos de morte por difteria na Malásia. Por causa de boatos e notícias falsas, campanhas de vacinação foram prejudicadas no Brasil, com pessoas temendo que fossem as injeções, por exemplo, as transmissoras do vírus da zika. Médicos relatam casos de pacientes que, acreditando em soluções milagrosas, negligenciaram o tratamento tradicional contra o câncer ou outras doenças graves.
As fake news na saúde costumam se concentrar em dois pontos: na disseminação da desconfiança com a classe médica — que, apontam essas "notícias", seria responsável por esconder segredos e manter interesses escusos —, e na descrença quanto à atuação das autoridades de saúde, que não dariam todas as informações necessárias à população ou estariam buscando lucrar com o adoecimento dos cidadãos.
— A principal dificuldade que temos em relação às informações erradas é conseguir desfazer o pensamento falso que as pessoas acabam adquirindo. Isso demanda tempo e confiança no médico. O paciente fica imbuído daquela ideia de que o que ele viu é correto e imagina que o médico ou está mal informado ou com má vontade de aceitar que exista outro tratamento. E precisamos desfazer isso de maneira científica. É um exercício que os médicos estão fazendo cada vez mais e que demanda muito diálogo e capacidade de persuasão — explica o cirurgião Fernando Weber Matos, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers).
Perdemos um tempo enorme tentando rebater essas fake news, que são extremamente maléficas para a população.
ANA GORETTI MARANHÃO
coordenadora substituta do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde
O outro tipo de notícia falsa mais comum na saúde costuma adotar um tom alarmista para chamar atenção da população para informações que as autoridades não estariam tornando públicas. Essas fake news tentam colocar em xeque a atuação de órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde, tentando convencer que o uso de remédios ou a distribuição de vacinas, por exemplo, teriam mais interesses políticos e econômicos do que o bem-estar da sociedade.
— Informações sem embasamento científico, sem resultados conclusivos e sem respaldo são colocadas na internet por qualquer um e, às vezes, vemos até profissionais médicos replicando essas "notícias". Como quando se espalhou que as vacinas tríplice viral e dTpa foram as responsáveis pelo surto de microcefalia no Brasil. Perdemos um tempo enorme tentando rebater essas fake news, que são extremamente maléficas para a população — afirma a coordenadora substituta do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde, Ana Goretti Maranhão.
Segredos, milagres e mágicas
Não é raro que as informações inverídicas sobre saúde apelem para termos como o "segredo" que médicos não querem revelar, o "milagre" que não é empregado nos consultórios, a solução "mágica" para doenças que você não vai encontrar nos principais veículos da imprensa. Como carece de embasamento científico, boa parte delas faz uso de testemunhos, investindo no depoimento de pessoas que supostamente se beneficiaram daquele método.
— Para que alguém acredite, só é preciso que uma notícia faça sentido. O impacto vai depender muito da cultura de cada um, do desejo de cada um. Em um momento em que tantas instâncias estão em crise, a circulação de versões alternativas de fatos, ainda mais na saúde, encontra terreno muito fértil para circular. São condições propícias para que se acredite em qualquer informação — pondera Janine Cardoso, professora do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em um momento em que tantas instâncias estão em crise, a circulação de versões alternativas de fatos encontra terreno muito fértil para circular.
JANINE CARDOSO
professora do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
A crença nas fake news sobre tratamentos de doenças tende a se basear, ainda, na confiança. Geralmente são enviadas por amigos ou familiares, que não teriam interesse em fazer algum mal. E essas notícias costumam citar "um conhecido" que trabalha em um órgão de saúde, "um médico" que não pode se identificar para não sofrer represálias.
— O boato circula com mais força justamente onde há um silêncio, um vazio, e é estimulado pelo fato de chegar por uma rede de amigos. Em um clima como o atual, em que você tende a desacreditar em autoridades, essas versões vão se tornando mais factíveis. O que não as torna menos falsas — completa Janine.
Cuidado!
Médicos reforçam o apelo para que os pacientes discutam com profissionais especializados as possíveis alternativas para seus problemas, jamais abandonando o tratamento recomendado ou deixando os medicamentos indicados de lado em favor das informações vistas em alguma notícia circulando online.
Recomendações
Acredite em notícias publicadas por órgãos oficiais de saúde e sociedades médicas.
Procure sempre conferir em mais de uma fonte, principalmente em temas polêmicos ou de grande repercussão, como uma possível cura para o câncer.
Diante de uma solução mágica para uma doença, converse com seu médico. Mostre para ele o que viu e pergunte se — e por que — aquilo não funciona.
Desconfie de
Mensagens alarmistas: "A verdade que o Ministério da Saúde não quer que você saiba".
Informações teoricamente exclusivas que não encontram repercussão em veículos sérios: "Vazaram informações secretas da OMS que a mídia tenta esconder".
Textos que colocam em dúvida campanhas consagradas de autoridades de saúde: "Governo distribui vacinas porque quer que você adoeça".
Supostos depoimentos de pessoas curadas por um tratamento sem qualquer comprovação científica: "O suco natural que me livrou do câncer".
Informações creditadas a "um amigo que trabalha na Fiocruz", por exemplo, que não citam claramente a fonte.