Pagamos um preço – caríssimo – por dormir mal. A medicina sabe que o sono ruim está relacionado a maiores taxas de mortalidade, piora no sistema imunológico, doenças cardiovasculares, diabetes, sobrepeso, problemas de cognição, depressão e ansiedade.
Cientistas da Unifesp publicaram, em 2010, um artigo na revista Innate Immunity no qual relataram que pessoas privadas de sono tinham aumento de células de defesa no organismo, como se reagissem a um ataque. Intrigados, foram para a segunda fase da pesquisa e enxertaram tecidos em ratos. Surpreendentemente, viram que o corpo dos bichinhos que dormiam mal demorava mais tempo para rejeitar o "invasor" – sinal de que o sistema imunológico estava falhando.
Mas isso é só um dos problemas de descansar pouco. O sono também regula diretamente a produção de hormônios. Pense neles como músicos e nas funções do corpo como uma orquestra. Tirar um músico ou influenciá-lo a tocar de forma desafinada vai prejudicar todo o sistema. É isso que ocorre ao dormir mal: você atordoa os músicos e desafina a sinfonia.
Vários estudos mostram que quem dorme mal tem mais problemas cognitivos e emocionais. Tome como exemplo uma pesquisa feita em 2006 por médicos da Universidade de Taiwan, na China, com 2,5 mil crianças entre seis e 15 anos. Foi observado que os pequenos com distúrbios de sono eram mais agressivos e tinham mais problemas de atenção.
– Há uma relação entre o mau sono e o aumento do risco e da gravidade de transtornos psiquiátricos. Pesquisas recentes indicam que adolescentes que dormem pouco têm mais índice de suicídio, bipolaridade e depressão – diz a neurologista Luciana Palombini.
Crianças que dormem mal também crescem menos, por conta da falta de hormônio do crescimento (GH), cujo ápice da produção ocorre à noite. Nos adultos, o desbalanço também traz problema: dificulta a regeneração dos músculos, deixa a pele ruim e quebra os fios de cabelo.
A medicina também sabe que o sono de má qualidade aumenta a resistência periférica à insulina. A função desse hormônio é tirar o açúcar (glicose) que corre pelo sangue e jogá-lo para dentro das células, onde ele será usado como combustível. No entanto, esse processo é prejudicado, o que impede que o açúcar entre nas células. Como resultado, ele zanza pela corrente sanguínea – em excesso, isso contribui para desenvolver diabetes tipo 2.
E até no sexo uma noite de pouco descanso interfere. Quem tem grandes privações de sono desequilibra a produção da testosterona, hormônio masculino também presente na mulher em menores níveis. Como resultado, eles têm mais chances de desenvolver disfunção erétil e elas, de terem uma redução no desejo e menor satisfação sexual durante a relação.
Soninho da beleza realmente existe
E se você se preocupa com a estética, saiba que a barriga de quem descansa pouco também sofre pênalti. Quem nunca dormiu mal e, no dia seguinte, desejava ardentemente um fast-food? Isso ocorre devido à alteração nos níveis de dois hormônios: a grelina, responsável pela fome, e a leptina, que nos deixa saciados. A alteração em ambos nos deixa com mais vontade de comer durante o dia, em especial alimentos gordurosos.
Isso foi observado em uma pesquisa feita com mais de mil crianças por médicos da Universidade de Harvard e de hospitais de Boston, publicada na revista Pediatrics. Quanto menos as crianças dormiam, maior era o risco de desenvolver obesidade a partir dos sete anos.
– A pessoa quer comer mais comidas calóricas em vez de um frango com salada – diz Monica Andersen, da Unifesp.
Há pesquisas sugerindo que aqueles que dormem menos de seis horas têm o metabolismo mais lento, o que ajuda a engordar. Ou seja, quem quer emagrecer não pode só se preocupar com exercícios.
– A necessidade de sono é muito individual, mas a exigência de sociabilidade para o dia a dia não está alinhada com nosso ritmo biológico. As pessoas se privam de descanso sistematicamente durante a semana. No fim de semana, há um rebote, e elas dormem até bem mais tarde. Uma dica para ver se você está em privação: se você acordar cedo naturalmente, o sono está adequado – diz Daniel Suzuki Borges, psiquiatra do Hospital de Clínicas da USP.
Falta de faxina no cérebro
Há algum tempo, sabe-se que nosso organismo conta com um sistema chamado linfático, uma rede de vasos que transporta um líquido (a linfa), responsável por levar impurezas dos tecidos ao sangue. Mas cientistas descobriram, de forma mais aprofundada na última década, outro sistema, de atuação muito parecida: o glinfático. E ele está estreitamente associado ao sono.
Assim como os garis limpam a avenida após o Carnaval, o sistema glinfático atua, à noite, para fazer uma faxina na bagunça que seu cérebro provocou ao trabalhar durante o dia. Nossas células, ao trabalharem, produzem uma série de impurezas que precisam ser retiradas dali. É justamente durante o sono que isso ocorre.
– Com uma espécie de correnteza, esse sistema faz uma drenagem dos restos das células e os joga na corrente sanguínea para serem eliminados. Quem dorme mal não faz essa faxina e tem mais risco de ter demências, como Alzheimer – diz a neurologista Luciana Palombini.
Qualidade dos sonhos
Após revisar 277 estudos científicos, a Fundação do Sono dos Estados Unidos elaborou, em janeiro deste ano, as diretrizes que definem um verdadeiro sono de qualidade. Confira se é o seu caso:
> Adormecer em até 30 minutos após deitar-se.
> Acordar, no máximo, uma vez de madrugada (duas, se você é idoso).
> Dormir durante 85% do tempo em que você está na cama.
> Passar no máximo 20 minutos acordado ao longo da noite quando você desperta do sono
(30 minutos, se você é idoso).