Pablo Mondim Py, 35 anos, conseguiu. Sobrevivente de um transplante de coração e exemplo vivo da importância da doação de órgãos, o médico realizou na sexta-feira, no Instituto de Cardiologia (IC), em Porto Alegre, o sonho de se tornar cirurgião cardíaco. E não é só isso. Decidido a ajudar pacientes atormentados pelo mesmo drama que ele próprio viveu, o especialista se prepara para iniciar residência no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). A área escolhida não poderia ser outra: transplante cardíaco.
Py renasceu em 2003, na sala C da instituição de saúde onde ontem recebeu o diploma de especialização. A cerimônia transcorreu sob os olhares orgulhosos da mãe dele, Rosaura Mondim, 62 anos, e da mulher, a enfermeira Patricia Spies Py, 27 anos – o casal se conheceu no pós-operatório de Py e está unido até hoje.
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Antes de passar pelo procedimento cirúrgico, o rapaz de 23 anos, acometido por uma grave doença congênita, era um farrapo humano: com 1m80cm, pesava pouco mais de 50 quilos.
– Foi uma fase muito difícil, mas nunca desisti. Prometi a mim mesmo que voltaria um dia como cirurgião – recorda o médico, formado pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) no fim de 2012.
Em agosto daquele ano, Py foi tema de reportagem em ZH. Havia acabado de acompanhar no IC – dessa vez como estudante de Medicina – o primeiro transplante cardíaco.
Sete meses depois, conseguiu uma vaga no curso de especialização do instituto. Desde então, passou por quatro anos de aprendizado. Ao longo do curso, Py realizou operações e participou de mais de 30 transplantes de coração. Aos pacientes, nunca teve receio de mostrar a cicatriz no peito.
– É como se eu pudesse dar a mesma chance que tive para outras pessoas. Conto a minha história para os pacientes, inclusive para quem está na fila de espera, para mostrar que é possível voltar a ter uma vida normal – destaca.
Embora insista em afirmar que não é diferente dos colegas – ele se formou com outros dois cirurgiões, entre outros profissionais –, o caso de Py chama a atenção desde o início por sua singularidade. Segundo o presidente do IC, Ivo Nesralla, trata-se de uma história de "superação e persistência".
– Pablo é o exemplo de superação dos problemas pessoais com a inestimável ajuda de sua mãe, chegando à brilhante conquista do que sempre desejou: ser um cirurgião de coração. Esta é uma linda história de superação e persistência. E eu muito me orgulho de fazer parte dessa história – relata.
Enfermeira da equipe de transplantes do IC há 25 anos, Lidia Lucas Lima também acompanha a trajetória de Py desde o início, quando ele ainda era um adolescente enfermo. Lembra do sofrimento e das alegrias do rapaz e de sua família. Vibra a cada conquista.
– Ele sempre nos dizia: vocês vão ver, um dia eu vou ser cirurgião. Quando passou no vestibular, foi aquela festa. Depois, quando ele veio para o instituto, foi outra festa. É uma felicidade imensa vê-lo se formar junto dos colegas. E o mais legal disso tudo é a mensagem que essa história passa: a de que é possível ter uma vida normal depois de receber um órgão. Isso serve de estímulo, também, para quem doa – ressalta Lidia.
O próximo passo da carreira de Py já tem data marcada: dia 1º de março, em São Paulo, ele começa a residência no InCor, com a certeza de que o sonho de salvar vidas está só começando.
Como ser um doador de órgãos
> A melhor forma de se tornar um doador é conversar com sua família sobre o assunto e dizer, de forma clara, que deseja que seus órgãos sejam doados após a sua morte. Só os seus familiares poderão autorizar o procedimento.