As mesmas telas digitais que ajudaram a criar uma geração de pessoas com insônia também podem ser capazes de restaurar o sono regular, dizem pesquisadores. Em um novo estudo, realizado nos Estados Unidos, mais de metade dos insones crônicos que usaram um aplicativo de terapia online relataram melhoras depois de algumas semanas – e estavam dormindo normalmente um ano mais tarde.
O novo relatório, publicado pela revista científica Jama Psychiatry, é o mais abrangente até agora e sugere que muitas pessoas poderiam se beneficiar de um tratamento reconhecido – a terapia cognitivo-comportamental – sem nunca ter de falar com um terapeuta. Pelo menos um em 10 adultos pode receber o diagnóstico de insônia, que é definida como um sono interrompido, irregular e inadequado por pelo menos três noites por semana durante três meses ou mais.
– Tive insônia a vida inteira e tentei de tudo. Não resolvi o problema 100%, mas estou dormindo muito melhor agora – afirma a professora de matemática Dale Love-Callon, 70 anos, que mora na Califórnia, nos Estados Unidos, e que recentemente usou o aplicativo.
Estudos anteriores já haviam mostrado que a terapia do sono online pode ser efetiva, mas muitos deles foram pequenos ou focados em um problema específico relacionado ao sono, como a depressão. A nova pesquisa testou a terapia digital em um grupo mais amplo e diverso de insones de longa data, cuja principal reclamação foi a falta de sono. A maioria havia tomado remédios ou suplementos ao longo dos anos e alguns ainda os usam.
– Esses resultados sugerem que há um grupo de pacientes que podem se beneficiar sem precisar de uma intervenção intensa, como terapia face a face – diz Jack Edinger, professor do Departamento de Medicina do National Jewish Health, dos EUA.
Técnicas digitais precisam ser estudadas
No estudo, liderado por pesquisadores da Universidade da Virgínia, os médicos recrutaram pela internet 303 pessoas entre 21 e 65 anos. Metade foi aleatoriamente designada para receber educação e conselhos sobre insônia – uma espécie de placebo digital, embora ativo, já que esse tipo de conselho frequentemente ajuda a dormir melhor. A outra metade fez terapia online com um aplicativo por seis semanas.
O app incorpora as técnicas da terapia cognitivo-comportamental para insônia, uma abordagem que os terapeutas vêm usando com sucesso há anos. Algumas dessas técnicas datam de décadas atrás. Uma é chamada de restrição de sono, na qual a pessoa define uma "janela de sono" regular e trabalha para cumpri-la. Outra é chamada de controle do estímulo, uma tentativa de quebrar a associação entre deitar na cama e atividades como ver vídeos e comer.
A terapia busca minar as suposições autodestrutivas sobre o sono, como "Sem uma boa noite de sono, não consigo funcionar no dia seguinte" ou "Remédios são provavelmente a única solução para a insônia". O programa solicita que as pessoas o acessem diariamente e descrevam cada noite de sono em detalhes, e então adapta sessões semanais baseadas nesses relatos.
O problema de Dale Love-Callon, por exemplo, era acordar muito cedo, às 4h, mais ou menos. Segundo ela, o programa online recomendou que, ao acordar nesse horário, ela deveria sair da cama, sentar e ler por 40 minutos – o que provavelmente induz mais ao sono.
– E tem funcionado. Fico sonolenta quando estou lendo e consigo voltar para a cama e cair no sono – afirma.
A equipe de pesquisa acompanhou os participantes, avaliando a qualidade de seu sono por meses, usando questionários padronizados. Depois de um ano, 57% das pessoas que usaram o programa de terapia online estavam dormindo normalmente, comparados com 27% daqueles que receberam apenas conselhos e educação.
– Continuamos a ver melhoras na avaliação de seis meses até o final do ano, apesar de as pessoas terem parado de usar o programa. E esse é um sinal muito bom – conta Ritterband.
Segundo John Torous, codiretor do Programa de Psiquiatria do Centro Médico Beth Israel Deaconess e da Escola de Medicina de Harvard, há cerca de uma dúzia de programas online no mercado que usam técnicas de terapia cognitivo-comportamental – para um grande número de problemas, incluindo depressão – que também têm a eficiência confirmada por evidências rigorosas.
– Há muitos aplicativos mentais por aí, e o número está aumentando mais rapidamente do que a base de evidência. Então, é bom ver alguém fazendo estudos cuidadosos – pondera Torous.
Por Benedict Carey