Fazer mais não significa realizar mais. Christine Carter, socióloga e especialista em felicidade, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, baseia suas pesquisas nessa premissa. A americana advoga a favor da lógica de que fazer menos e dedicar pouco tempo a certas tarefas diárias seria mais eficaz para tornar as pessoas mais felizes e realizadas.
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Autora de Ponto de equilíbrio (Editora Sextante, 2016), Christine fala sobre como o número de decisões – algumas até desnecessárias – que precisamos tomar no dia a dia consome nossa energia e ocupa nosso tempo. Por isso, ela mesma as limita na própria vida: sabendo o que funciona, seja a marca da pasta de dente ou método de trabalho, torna-se fiel àquilo e aprecia os resultados positivos das suas escolhas.
Christine instiga a sairmos do piloto automático e questionarmos se o tempo que dedicamos a certas coisas é realmente necessário ou fruto de uma convenção social. Para a pesquisadora, uma vida cheia de atividades é apenas uma vida mais ocupada, não necessariamente com mais significado.
Por telefone, ela conversou com ZH. Veja os principais trechos.
Você ensina pessoas a fazer menos para ter mais resultado. Como identificar o que é essencial para deixar de lado o que não é?
Eu indico que as pessoas façam um exercício avaliando qual é a dose mínima eficaz para qualquer atividade. Esse é um termo que os médicos usam, afinal, eles querem receitar a menor quantidade de medicamento necessária para os pacientes, pois o excesso pode ser tóxico. O mesmo é verdadeiro para as nossas vidas. Sempre acreditamos que mais seria melhor: passar mais tempo ajudando as crianças com a lição seria melhor, trabalhar mais seria melhor. Essa é uma crença enganosa. Em todas as instâncias da vida, devemos questionar: qual é o tempo mínimo eficaz que devo dedicar a isso? Nós fazemos isso com o sono, dormimos o mínimo necessário para ficar bem na manhã seguinte. Eu fiz isso com as lições das crianças. No fim, elas se saem muito melhor quando eu não estou lá, sempre do lado. Com o e-mail, isso é muito importante. Qual é o tempo mínimo que posso passar no meu e-mail e ainda ser eficaz? Eu digo para as pessoas fazerem o mínimo de qualquer coisa até saber qual é esse limite.
Todo mundo precisa fazer algumas atividades cansativas, seja em casa ou no trabalho. Como lidar?
Há certas coisas que são difíceis, nos exigem muita energia e "ocupam espaço" nas nossas vidas, e precisamos lidar de maneira mais inteligente com elas. Não presuma que você necessariamente tem de fazê-las só porque você foi ensinado que isso é o certo. Se está causando muito estresse, retire da sua vida. É importante também avaliar se, no fundo, queremos fazer aquilo ou se temos a sensação de dever para fazer certas coisas. Entender isso é bom para recompor o pensamento sobre aquela atividade e enfrentá-la de outra maneira. Há coisas que fazemos por hábito mas, quando pensamos se deveríamos eliminá-las da nossa vida, não queremos. Preferimos continuar fazendo e não há nada de errado com isso.
Você acredita que delegar é uma boa opção?
Seja criativo. Pense: quem na sua vida gosta de fazer essa atividade para você? Eu viajo muito e eu odeio os detalhes e planejamento da viagem. Não gosto de comparar preços de passagens e deixava isso sempre para a última hora. Meu marido ama fazer isso. Então, ele faz isso por mim. Para o trabalho dele, ele não gosta de fazer edições e eu não vejo problema, não exige muita energia de mim. Então eu faço certas coisas por ele. É a nossa troca.
Devemos usar nosso dinheiro para delegar? Seria esse o melhor uso do dinheiro?
Eu sou muito a favor de usar o dinheiro para delegar funções. Em vez de comprar aquele café gourmet todas as manhãs, você pode usar aquele dinheiro para delegar suas funções. Por uma questão de logística, eu não conseguia levar meu lixo para a rua no horário correto, além de ser algo que eu não gostava de fazer. Passei a pagar o meu vizinho de 13 anos, um dólar por vez. Para ele, aquilo demorava menos de um minuto. Não era muito caro para mim, era bom para ele e acabei me organizando melhor nas segundas de manhã sem precisar tirar o lixo. Quando pensamos em dinheiro, sempre vêm objetos à mente. Ficamos presos na correria do dia a dia e acabamos comprando mais coisas pensando que isso vai nos fazer feliz. Eu sou a favor de usar o dinheiro para pagar por experiências e pela experiência de não fazer certas coisas. É uma maneira comprovada de trazer mais felicidade. Achamos que a felicidade está sempre aí, escondida em algum lugar. "Ah, se eu mudasse para outra cidade eu seria feliz", ou "se eu tivesse aquele casaco azul eu seria mais feliz". A felicidade sempre está dentro da gente. Nenhum produto vai nos deixar feliz, o cérebro humano não funciona assim. É preciso apreciar o que já temos ao invés de desejar sempre algo que não temos.
Fazer muitas escolhas tira o nosso tempo?
Isso é muito importante nos dias de hoje, já que somos bombardeados com muita informação. Temos muitas escolhas de atividades e coisas a comprar – enfim, alguns de nós têm o privilégio de ter muitas. Mas quando temos muitas opções, a tendência é que fiquemos menos felizes com a escolha final. A ideia de otimizar em vez de maximizar é limitar as informações que você analisa antes de tomar uma decisão. Mas primeiro é necessário delimitar critérios.
E como isso pode ser feito?
Por exemplo: vou dar uma palestra na próxima semana e gostaria de uma roupa nova. Eu tenho que ter um critério: é preciso ser confortável, não gostaria que fosse um vestido, tem de ser uma calça da cor que eu mais gosto e um pouco mais larga. Esses são meus critérios. Vou colocar um limite no meu orçamento e, logo que eu achar o que estou procurando, paro. Assim que você encontrar algo que entre naquele critério, pare de olhar. Depois, tire um tempo para apreciar as escolhas que você fez, em vez de ficar pensando nas outras opções ou nas escolhas que você não fez, que é uma tendência natural do ser humano.
Mas as pessoas amam poder escolher, não é frustrante ter de eliminar opções?
A grama é sempre mais verde do outro lado. Limitar nossas escolhas é uma grande tática para economizar energia e tempo. Isso não significa que você deva se contentar com pouco, significa decidir o que você quer. É tudo sobre como você quer gastar o seu tempo. Você quer ficar procurando roupas e peneirando mais informações e lidando com estímulos constantes ou quer fazer outras coisas?
Como podemos aprender a enxergar que o que já temos é o suficiente?
Dê um passo para trás e olhe. Treine o seu cérebro para ver o que você já tem. Não há números específicos que indiquem o quanto precisamos ter. É um sentimento, e isso é ótimo, porque podemos treinar nosso cérebro a ver a abundância ao nosso redor. Há mais de duas décadas de pesquisa nessa área que indicam que praticar gratidão funciona. Ser grato nos ajuda a ver a abundância ao nosso redor e a chegar a sensação de que o que temos é suficiente.
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