A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda ingressar com uma ação na Justiça para anular os efeitos da lei sancionada na quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff que libera o uso da fosfoetanolamina sintética - a chamada "pílula do câncer" - mesmo sem pesquisas que comprovem a segurança e a eficácia do composto.
Em um comunicado duro, a Anvisa alertou que a liberação do produto coloca em risco a saúde da população e abre perigoso precedente. À reportagem, o presidente da agência, Jarbas Barbosa, afirmou nesta semana que a aprovação faria o país regredir para um período anterior à década de 1970, quando ainda não havia regras de fiscalização na área de saúde.
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Aprovada às pressas no Congresso, a lei autoriza o uso da substância por pessoas com câncer, desde que apresentem laudo médico que comprove o diagnóstico e um termo de consentimento do paciente ou de seu representante legal.
Entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) continuam a não recomendar a substância sem pesquisas mais aprofundadas. Para outros especialistas, provavelmente a discussão vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF) - que já teve de responder a liminares de pacientes, que cobravam da Universidade de São Paulo (USP), única a sintetizar a substância, a entrega do produto. Hoje, a USP está obrigada a fornecer as pílulas somente até o fim de seu estoque em São Carlos, no interior.
Para as famílias dos doentes, porém, a liberação foi motivo de comemoração.
– A gente torcia muito para que isso acontecesse. Foi uma vitória dos pacientes, que lutaram para ter o direito de usar uma substância que fez bem para tanta gente – disse a advogada Marisa Benelli, de 48 anos, filha do aposentado Marionaldo Benelli, de 69, que toma a fosfoetanolamina desde 2013, meses depois de ser diagnosticado com câncer na próstata e nos ossos.
– Ele fez o tratamento tradicional enquanto tomava a 'fosfo' e a doença diminuiu. Os médicos tinham dado seis meses de vida para ele – conta.
A controladora de quadro Eloá Karolins, de 22 anos, também comemorou a decisão. Sua mãe foi diagnosticada com a doença há três anos.
– Teve câncer no rim, iniciou o tratamento com radioterapia e a doença veio mais forte, atingindo outros órgãos. Está fazendo quimioterapia, mas o tratamento é agressivo.
Pelas redes sociais, Eloá fez contato com grupos que usam a fosfoetanolamina, mas descobriu que a fabricação estava proibida.
– Agora, espero conseguir.
Polêmica
A lei sancionada terá validade até que testes sobre a segurança e a eficácia do composto sejam concluídos. A fosfoetanolamina sintética começou a ser usada por pacientes com câncer há 20 anos, depois que um laboratório do Instituto de Química de São Carlos, da USP, passou a produzi-la. Tal prática se estendeu até 2014, quando a universidade proibiu que produtos experimentais fossem entregues à população. Pacientes reagiram e o assunto foi parar na Justiça.
Diante da polêmica, os Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação decidiram custear estudos para avaliar a segurança e a eficácia do composto.
Resultados preliminares indicaram baixo potencial das cápsulas contra os tumores. Enquanto isso, um grupo de deputados apresentou um projeto de lei para apressar o processo. Esta é a primeira vez que um produto indicado para tratamento de uma doença é aprovado sem estudos de eficácia e segurança.
– A sanção da presidente é uma resposta à comoção da sociedade. Não acho que tenha sido precoce, não foi precipitado – afirmou a ministra interina da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Emília Curi. Nos bastidores, o MCTI, ao lado dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, além de Anvisa e Advocacia-Geral da União (AGU), opinou pelo veto total à proposta. A presidente, no entanto, ignorou tais pareceres.
Regulação
A lei permite tanto a produção quanto a manufatura, distribuição e dispensação do produto. Para o Ministério da Saúde, essas atividades ainda precisarão de regulação - que não se sabe quando e como será feita. A pasta sugere que o médico use talonário numerado - recurso que pode permitir o rastreamento do paciente.
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O ministério indica que estabelecimentos fornecedores do composto façam um balanço da movimentação da substância. Segundo o governo, por enquanto, o produto não terá custos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).