O medo real ou fantasioso é um inimigo antigo e um atormentador atroz, capaz de minar nossas energias, principalmente quando se acompanha de doença ou nos encontra com autoestima em baixa. Mais fácil compreender o medo materializado sob a forma de um rival visível, poderoso e cruel, mas também se sofre - e de verdade - com um inimigo de mentira, produzido por nossa imaginação fragilizada e temerosa.
O medo que atormentou o casal de irmãos solteirões da Casa Tomada, de Cortázar, era imaginário, mas fez com que eles, aprisionados dentro do velho casarão, fossem fechando portas e passagens, sempre afugentados por sons suspeitos e assustadores e que os empurrou para o último aposento da casa e finalmente para a rua, em total desamparo, sem que eles alguma vez tivessem visualizado o terrível inimigo.
A base de assentamento do medo e as suas manifestações, com muita frequência constituem um desafiador enigma diagnóstico. A queixa de dor é provavelmente a via de exteriorização mais utilizada, não só porque seu anúncio impõe uma preocupação automática, mas também porque ela, com sua subjetividade, não pode ser simplesmente desmentida.
Cabe ao médico, com conhecimento técnico e muita delicadeza, qualificá-la e quantificá-la, pois, como se sabe, as dores não são sintomas aleatórios de alarme. Pelo contrário, elas têm padrões de apresentação, instalação e propagação que são altamente característicos de determinadas enfermidades. Por outro lado, as dores desorganizadas e erráticas representam modelos comuns de somatização.
A Jussara veio consultar acompanhada do marido atento e prestativo e de uma linda menina de seis anos, sempre debruçada no colo do pai. Trazia um calhamaço de exames de imagens e uma história de dor torácica que se arrastava por mais de seis meses. Sem nenhuma lesão na coluna e com pulmões normais, começaram as perguntas e com elas uma informação importante: a dor se intensificava muito quando deitava, a ponto de, nas últimas semanas, preferir dormir na poltrona.
As perguntas seguintes pareciam despretensiosas: "Tua única filha? Como foi o parto?" E a resposta reveladora: "Um martírio insuportável. Não sei como não morri!"
Luz amarela! Passamos a falar de outras coisas e depois de uma longa volta, enquanto preenchia os dados no computador, uma pergunta solta para a filha: "E daí, dona lindinha, ainda não pediste um irmãozinho pra mamãe?"
E a resposta previsível: "Eu pedi, mas a mãe disse que nem morta". Bingo.
A consulta seguinte, só com a paciente, foi definitiva. A sua relação emocional com o parto tinha sido duplamente traumática: a sua mãe morrera ao dar à luz sua irmã menor e o nascimento de sua filha tinha sido um suplício. Sem coragem para compartilhar seus medos com o marido obcecado com a ideia de um filho homem, levara a dor para a cama, como um escudo poderoso.
Despir-se do medo, discutindo-o com quem tenha ouvidos amistosos, é uma forma eficiente de minimizar a dor. Qualquer dor.