Se você anda em busca de uma prática que melhore a condição cardíaca, reforce as defesas do organismo e combata o estresse, não precisa procurar mais: experimente o perdão. Item tradicional e obrigatório no portfólio das franquias religiosas, desculpar as ofensas ganhou novo fôlego no mercado, reembalado como remédio eficaz contra males variados, status conferido por uma série de estudos científicos recentes.
O problema é que ainda não se pode entrar em uma farmácia e adquirir perdão em comprimidos. O processo é bem mais trabalhoso do que isso. Envolve superar rancores, engavetar planos de vingança e reconciliar-se com quem nos feriu. E trata-se de um medicamento que não admite genéricos. Para colher os frutos, é necessário que o perdão seja genuíno, de coração.
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- Perdoar é fazer as pazes com não alcançar aquilo que você queria. Essa atitude reduz o estresse físico e mental, confere otimismo para que uma pessoa tenha sucesso nas coisas da vida e melhora os sistemas nervoso, cardiovascular e imunológico. Tudo é perdoável, mas não por todo mundo. Nem sempre é a pior ofensa que não se consegue perdoar, mas, sim, aquela que causa mais dano ou que foi mais inesperada. É preciso praticar o perdão, começando pelas pequenas coisas, para aprender a perdoar - disse a ZH um dos papas do assunto, o psicólogo Frederic Luskin, diretor do Projeto Perdão, da Universidade Stanford (EUA).
Luskin é reconhecido por ter elaborado um programa em nove passos que ajuda a superar o ressentimento e alcançar o nirvana do "o que passou, passou". Outro pesquisador renomado, Everett Worthington, da Virginia Commonwealth University (EUA), desenvolveu um sistema mais sintético, em cinco etapas, conhecido como REACH, para chegar ao que chama de perdão emocional. Ele explica o conceito:
- Existem dois tipos de perdão. O decisional é aquele em que se toma a decisão de agir de determinada forma em relação ao agressor, sem vingança e tratando-o como um ser humano de valor. Já o perdão emocional significa substituir emoções negativas, como ressentimento, amargura, ódio e medo, por emoções positivas, como empatia, simpatia, compaixão e amor pelo agressor.
Empatia é fundamental
Não por acaso, Luskin e Worthington são norte-americanos. Encarar o perdão como prática terapêutica é uma área bem desenvolvida nos Estados Unidos, onde há inúmeras pesquisas realizadas sobre o tema e abundância de profissionais capacitados a oferecer tratamento específico. No Brasil, é algo pouco difundido. Introdutor do conceito no país e investigador do assunto há mais de 20 anos, Júlio Rique Neto, coordenador do grupo de pesquisa em desenvolvimento sócio-moral da Universidade Federal da Paraíba, afirma que o ideal, para uma pessoa que está sofrendo por não conseguir perdoar, seria consultar um terapeuta. Mas ele reconhece que faltam profissionais habilitados.
- No meu trabalho, chamou a atenção o fato de que, na hora de uma injustiça, quando querem se livrar da raiva, a primeira iniciativa das pessoas é buscar a igreja. Muitas relatam ter passado por um processo semelhante ao que eu trabalhava, refletindo diante da imagem de um santo de devoção ou na conversa com um padre ou pastor.
O que estou querendo dizer é que talvez a autoridade religiosa possa ser uma boa figura de orientação para o caminho do perdão. Eu não seria contra. Talvez religiosos sejam até mais preparados do que um psicólogo ou um terapeuta sem conhecimento da área, que não valorize a necessidade do cliente de perdoar - observa.
Como escasseiam no Brasil os profissionais especializados, o pesquisador da Paraíba oferece algumas dicas para quem quer construir o perdão por conta própria. O primeiro passo, afirma, é reconhecer a injustiça e a dor resultante dela.
Em seguida, a vítima deve avaliar se as tentativas feitas para superar a dor trouxeram resultado positivo, analisar se ela própria já foi capaz de provocar injustiças em contextos semelhantes e tentar encontrar algo de bom na pessoa que causou a mágoa.
- Geralmente, são pessoas próximas, então elas têm uma história passada, elas têm momentos agradáveis juntos. Recomendo recuperar um pouco o lado bom daquela pessoa. E, finalmente, perguntar o que pode tê-la levado a agir daquela forma. Dessa forma, a vítima vai ter de sair da sua dor e se colocar no lugar do outro. A empatia é fundamental. No final, o comportamento não é perdoado, mas o outro enquanto pessoa pode ser. Perdoar significa ter capacidade de argumentar e de não sofrer ao falar de uma injustiça sofrida e tentar reconciliar a partir da mudança de comportamento do outro - afirma Rique Neto.
Os benefícios do perdão
Saúde cardíaca
Perdoar, mostram diferentes estudos, tem entre seus efeitos reduzir a pressão arterial, o que pode prevenir problemas do coração. Um estudo de 2011, feito com casais, mostrou que, quando um perdoava o outro, ambos registravam redução da pressão arterial. Outro trabalho, da New York University, feito com pacientes cardíacos, mostrou que aqueles com propensão a perdoar tinham menos ansiedade e depressão, além de apresentar menores níveis de colesterol.
Expectativa de vida
Um estudo do Luther College (EUA), publicado em 2011 no Journal of Behavioral Medicine, aponta que pessoas capazes de perdoar incondicionalmente podem viver mais, em comparação com as pessoas que só perdoam quando alguém se desculpa.
Fortalecimento do sistema imunológico
Portadores do vírus HIV que perdoaram alguém registraram um incremento nas células de defesa, segundo um trabalho desenvolvido em 2011 no Duke University Medical Center (EUA), sugerindo que o perdão pode ter efeitos positivos para o sistema imunológico.
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Saúde mental e redução do estresse
Uma série de estudos associou a dificuldade de perdoar a emoções como raiva e tristeza e a reações fisiológicas que incluem tensão muscular, suor e aumento da pressão arterial. O perdão tem a capacidade de reduzir esses efeitos negativos, contendo a ansiedade, a depressão e a ira. Até o sono fica melhor. Pesquisas apontam também que a capacidade de perdoar protege contra os efeitos negativos do estresse na saúde mental.
Redução do cortisol
Perdoar reduz níveis do hormônio cortisol, o que além de ser bom para controlar o estresse no curto prazo pode trazer benefícios mais duradouros: no longo prazo, altos níveis podem afetar várias funções do organismo, incluindo cérebro, sistema digestivo e sistema cardiovascular.
Em paz consigo mesmo
No caso das pessoas que sentem remorso por algo que fizeram, a reconciliação com a vítima pode ter efeito terapêutico, conforme uma pesquisa publicada no Journal of Positive Psychology. De acordo com o trabalho, obter o perdão ajuda a pessoa a também se autoperdoar.
*Zero Hora