Uma das marcas da juventude é a certeza nos julgamentos. Raramente se vê um jovem enrolado em dúvidas sobre a atitude de alguém. Nada disso. Quando jovens, sabemos, com impressionante presteza, o que é certo e, principalmente, o que é errado. Visto a distância, parece que a idade nos embota. E a julgar pela dificuldade com que passamos a emitir nossos vereditos, embota constrangedoramente. Pretensamente por maturidade, passamos a incorporar uma série de "dependes" na nossa opinião final, que reluta em ser definitiva. Pelo menos até que tenhamos ouvido todos os interessados na questão.
Nada me deixou mais desconfortável do que a tarefa de julgar comportamentos médicos no curto período em que exerci a difícil e lisonjeira função de membro titular do Conselho Regional de Medicina. E posso assegurar que a dificuldade não tinha nada a ver com corporativismo, era apenas a sensação massacrante de poder estar sendo injusto com um colega que, trabalhando em condições invariavelmente desfavoráveis, fizera lá o seu juízo em relação a uma determinada conduta, que a evolução terminara demonstrando ser equivocada. E nós, os juízes, sentados em salas refrigeradas, nos perfilávamos para julgá-los.
Um dia desses, recepcionando um brilhante colega paulista que fazia o ritual de visitas na condição de aspirante a membro titular da Academia Nacional de Medicina, enquanto almoçávamos, não lembro por qual razão, contei-lhe dessa minha limitação. Confessando ter a mesma dificuldade, ele me presenteou com a encantadora história de um rabino que, consultado por um jovem que fora se aconselhar sobre a intenção de denunciar a conduta de um rival, ouviu o relato indignado e ponderou:
"Meu jovem, todos nós temos o direito à rebeldia diante da infâmia, e todos os dias ouço histórias semelhantes a sua. A questão é que a nossa reação não pode, no intuito de delatar uma injustiça, cometer uma injustiça maior. Preciso te confessar que não tenho certeza, nesta tua querela, se há alguém completamente certo. Então, não sabendo a resposta correta, mas querendo muito te ajudar, vou te transmitir o que aprendi com meu velho pai: diante de qualquer situação, antes de decidir o que fazer, passe o teu projeto por três peneiras.
Primeiro, a peneira da VERDADE: o que acreditas é o que realmente aconteceu, ou pode ser uma versão modificada, ou pior ainda, um boato? Lembres que, quando a verdade aparecer, e ela sempre aparece, nada te redimirá se ela não estiver contigo.
Segundo, a peneira da BONDADE: a tua atitude trará algum benefício a alguém ou será apenas um derrame de rancor e amargura? Não esqueças que, no final, é comum que o agressor se sinta pior do que o agredido.
E terceiro, a peneira da NECESSIDADE: o que pretendes fazer é tão importante que se tornou inevitável que o faça, ou é uma birra pelo teu orgulho ferido?
Se tiveres dúvidas em relação a qualquer uma dessas peneiras, dê um tempo no teu ódio. É bem provável que, no futuro, me agradeças por ter-te ensinado a ser um juiz menos feroz.
E, então, perceberás que a contenção de um impulso te fez uma pessoa melhor!"