Uma pesquisa que comparou a população urbana com os amish, que vivem em comunidades rurais, detectou um nível médio de pressão arterial de 24 mmHg maior nos habitantes da cidade.
As causas são múltiplas, mas todas as evidências sugerem que a adrenalina repetida a cada surto de irritação se transformou numa usina de hipertensão arterial na civilização moderna. Um trabalho muito interessante, comandado pelo nosso Flavio Kapczinski, demonstrou que a irritação sistemática produz, em ratos, animais normalmente sossegados, uma redução do número de comunicações entre os neurônios (sinapses), produzindo uma espécie de demência pelo estresse crônico.
Já se disse que o que mata é a raiva, mas como evitar isso, se o exercício social impõe a interação de pessoas tão conflitantes?
O estressado se irrita com a lerdeza do sossegado e até com a falta de irritação dele.
Os tipos capazes de enlouquecer os outros pela desaceleração são múltiplos e com perfis bem conhecidos e monótonos:
- É o lento que aguarda o sinal abrir, como todos os normais, mas, quando isso acontece, ele não arranca, e teima em buscar alguma coisa esquecida no banco traseiro.
- Esse mesmo tipo, quando se aproxima da próxima sinaleira, reduz a marcha porque parece determinado a esperar pelo vermelho, não se conforma que ele continue verde, e não está nem aí para as buzinas na retaguarda. Em pleno engarrafamento, sempre há 50 metros entre ele e o carro da frente, e esse espaço é ocupado por outros apressados que só fazem alongar a fila que você, por puro azar, escolheu.
- No restaurante, é o tal que só se lembra de apanhar o cardápio quando o garçom já chegou para anotar o pedido. Invariavelmente, é o fulano que não aceita que jantar fora possa ser simplesmente mudar de cozinheiro e insiste em fazer daquilo um acontecimento social inesquecível.
- É o cara que sempre fica rodando o espeto antes de se decidir e faz uma pausa irritante quando perguntado se quer, ou não, o CPF na nota.
- No guichê do cinema, com fila enorme e o filme já começando, o infeliz ainda discute com a companheira qual a melhor escolha.
- No supermercado, com a pachorra impressa na bochecha roliça, ela assiste passivamente ao registro de suas compras e, quando lhe apresentam a conta, descobre que, mais uma vez, não haverá brinde da cesta básica, e só então começa a busca tranquila da carteira no caos de uma bolsa desorganizada. E, claro, com 20 caixas disponíveis, você selecionou aquele porque tinha menos gente. Mas não se estresse, porque num dia daqueles é bem provável que sua chegada ao caixa coincida com o fim do rolo de papel da maquininha.
- No avião, ele entra com cinco pacotes e não se constrange em obstruir a entrada dos outros passageiros enquanto acomoda e reacomoda seus bagulhos no compartimento superior. Na saída, enquanto todos já estão de posses de seus pertences, ele ainda dá uma última espiada na revista de bordo para depois poder interromper o fluxo, enquanto tenta se apossar de suas sacolas que, invariavelmente, se esparramaram.
Quem dera que, por efeito de um milagre, conseguíssemos alguma harmonia entre seres tão díspares, e os lentos poderiam chegar em casa mais cedo e teriam um tempo extra para se refestelar fazendo nada. E os apressados (olha a frente!) chegariam ainda antes deles, e seguramente menos hipertensos.
Claro que, depois de tudo harmonizado, ainda haveria o pedido de direito de resposta dos sossegados que se sentissem agredidos pela pressa dos estressados.
Se pudéssemos reprogramar as pessoas, a civilidade deveria começar pela busca de um convívio menos desgastante. Uma norma redentora idealmente obrigaria todos a olhar ao redor com a preocupação cívica de avaliar o desconforto ou o constrangimento que possam estar causando nos seus pares. Porque, sem dúvida, o conviva mais irritante é o que se comporta como se fosse o único inquilino do planeta.