Por uma grave distorção afetivo-cultural, estamos condicionados a reconhecer como amigos apenas aqueles que aplaudem nossas virtudes e são tolerantes com nossos defeitos. Na verdade, esses generosos desprovidos de juízo crítico podem até ser úteis, mas nunca serão indispensáveis, porque não contribuem em nada para nosso aprimoramento pessoal, ainda que verdadeiramente desejem ajudar-nos.
Mesmo assumindo o quanto pode ser irritante o louvor vazio dos bajuladores, precisamos admitir que todos, absolutamente todos, dependemos, de vez em quando, de algum reconhecimento, quanto mais não seja para sinalizar que estamos no caminho certo. Ainda que se aceite que o que as outras pessoas pensam de nós não é da nossa conta, isso não pode nos deixar ilhados em autossuficiência porque, quando toda a opinião alheia parece dispensável, enrijecemos, não se devendo ignorar, inclusive, a possibilidade real de que tenhamos morrido.
Por mais que necessitemos de amigos condescendentes para as horas difíceis, e muitas vezes dependamos deles para a sobrevivência emocional, há de se reconhecer que Dalai Lama tinha razão quando ensinou que o inimigo é nosso melhor mestre, porque, para enfrentá-lo, necessitamos utilizar toda a nossa inteligência e sabedoria. Em resumo, não podemos negligenciar o excepcional espelho representado por aqueles que nos fazem sentir incomodados.
O problema começa quando o aplauso é apenas o combustível da vaidade, identificada como o principal obstáculo para que alguém conheça a si mesmo e, como se sabe, sem o autoconhecimento somos as presas mais fáceis.
E, então, é aqui que entra a participação do inimigo como um modelador de comportamentos e depurador de futilidades.
Sem contar que, muitas vezes, uma boa dose de raiva bem utilizada pode ser o fator decisivo entre a inércia pachorrenta e a iniciativa vitoriosa, a demonstrar o papel da fúria como fonte de energia.
Não se imagine que estamos fazendo a apologia da inimizade, longe disso, os inimigos devem ser restringidos ao mínimo indispensável, mas numa sociedade narcisista e competitiva há os rivais inevitáveis, e nisso estamos todos de acordo. Reconhecendo-se que quem faz irrita a quem não é capaz de fazer, compreende-se porque a mediocridade é a arte de não ter inimigos.
Por essas e outras razões, o escritor colombiano Nicolás Buenaventura Vidal explica com humor e inteligência as razões para cultivarmos bons inimigos:
- Um bom amigo pode nos abandonar, nos trair, nos decepcionar, e até nos trocar por outro... mas um bom inimigo é para a vida toda.
- Os inimigos sempre dizem a verdade, sobretudo quando dói.
- De um amigo nunca se sabe o que esperar, mas dos inimigos, sempre se pode esperar o pior.
Podemos até questionar os conceitos de Buenaventura, mas não há dúvida de que a grandeza da tarefa de um homem se mede também pela qualidade de seus inimigos, e ninguém discorda que é deprimente suportar o rancor miúdo, obtuso e picotado de uma legião de desafetos medíocres.
Por isso, selecione inimigos qualificados e preserve-os respeitosamente.