Das 800 mil pessoas em tratamento contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês) no Brasil, atualmente, 95% apresentam supressão viral. Isso significa que estão indetectáveis e não transmitem mais o vírus causador da aids durante relações sexuais.
O dado do Ministério da Saúde evidencia o resultado dos avanços obtidos pela ciência no decorrer de quatro décadas: a infecção deixou de ser uma sentença de morte para quem adere às terapias.
Apesar de todas as descobertas científicas, a cura do HIV e a conscientização sobre o vírus seguem representando desafios para os especialistas. Entre 2012 e 2022, o Brasil registrou uma queda de 25,5% na mortalidade por aids, e o Rio Grande do Sul mantém a maior taxa do país.
Anualmente, o Dia Mundial de Combate à Aids, em 1º de dezembro, reforça a necessidade de ampliar as medidas de prevenção e de diagnóstico precoce do vírus para evitar o surgimento da doença.
Dados do Boletim Epidemiológico - HIV e Aids 2023, do Ministério da Saúde, apontam que, do início da epidemia em 1980 até 30 de junho do ano passado, o Brasil acumulou 1.124.063 casos de aids. Em relação ao HIV, de 2007 até o primeiro semestre do ano passado, foram notificados 489.594 diagnósticos — sendo 20.237 apenas nos seis primeiros meses de 2023. Em nota, a pasta informou que os números completos de 2023 serão divulgados neste mês de dezembro e que os de 2024 ainda não foram extraídos.
Em relação às mortes por aids, o Brasil somou 382.521 óbitos até 2022 — o boletim federal não aponta o número registrado nos primeiros seis meses do ano passado. Em uma década, a taxa de mortalidade passou de 5,5 para 4,1 mortes por 100 mil habitantes.
Em 2022, a taxa do Rio Grande do Sul continuava sendo a maior entre todos os Estados: 7,3 óbitos por 100 mil habitantes. Entre as capitais, Porto Alegre também seguia liderando: 23,8 — quase seis vezes o índice nacional.
De 1980 a junho de 2023, o território gaúcho acumulava 108.145 casos de aids. Somente nos primeiros seis meses do ano passado, foram registrados 1.206 diagnósticos no RS. Já os dados relacionados ao HIV, apontam 42.456 infecções no Estado a partir de 2007, sendo 1.294 apenas no primeiro semestre de 2023.
Em nota, a Seção de Doenças de Condições Crônicas Transmissíveis da Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que observa, nos últimos cinco anos, uma média anual de 3.225 novos casos de HIV e de 2.909 diagnósticos de aids no RS.
Em relação ao coeficiente de mortalidade, a pasta aponta que, em 2022, foram 1.130 óbitos por aids. Também afirma que aguarda os novos dados do Ministério da Saúde para verificar a posição do Rio Grande do Sul e ter conhecimento do cenário atual. Além disso, destaca que o estudo Atitude, desenvolvido em 2023, mostrou que a Região Metropolitana enfrenta uma epidemia generalizada de HIV.
Cenário do RS
De acordo com a SES, os altos índices do RS são multifatoriais, incluindo aspectos culturais, sociais, educacionais e comportamentais. A pasta informou que envolvem, ainda, fatores como questões de fronteira e a necessidade de ampliar e fortalecer as estratégias de prevenção combinada, bem como de retomar o debate da prevenção nos espaços escolares com os adolescentes e jovens.
Eduardo Sprinz, professor do Serviço de Infectologia e coordenador do ambulatório de HIV/AIDS do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), comenta que a epidemia na Região Sul começou um pouco depois do que no restante do Brasil, o que poderia ser mais uma justificativa para o atual cenário.
— Começamos a empilhar uma coisa em cima da outra. Juntamos isso com uma população ainda vulnerável, que não está protegida, o que facilita a disseminação da infecção. Também temos que pensar no empobrecimento, no uso de drogas e na tuberculose, esse trio anda sempre junto. Então, temos uma população vulnerável, que continua sofrendo com o HIV, e isso certamente tem relação com o empobrecimento do Estado — resume o especialista.
Conforme a SES, as medidas de prevenção são fundamentais para reverter esse cenário. Por isso, trabalha na perspectiva da prevenção combinada, que associa diferentes métodos e ações para prevenir o HIV, como: testagem regular; prevenção da transmissão vertical; tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e hepatites virais; imunização para as hepatites A e B; redução de danos para usuários de álcool e outras drogas; profilaxia pré-exposição (PrEP); profilaxia pós-exposição (PEP); e tratamento para todas as pessoas que vivem com HIV.
A pasta apontou que é essencial que essas estratégias de prevenção sejam centradas na pessoa e considerem os grupos sociais em que se inserem. Além disso, destacou o tratamento, já que pacientes com boa adesão atingem “níveis de carga viral tão baixos que é praticamente nula a chance de transmitir o vírus”.
Avanços no tratamento
Em relação aos avanços já obtidos, Sprinz destaca que o Brasil foi líder no acesso universal ao tratamento contra o HIV, fazendo com que as projeções do milênio passado para o atual melhorassem. O especialista lembra que, quanto mais pessoas aderirem às terapias, menor será a quantidade de vírus circulando e de novos casos.
— No milênio passado, fizemos uma projeção de pessoas contaminadas que é maior do que vemos atualmente. Isso é uma notícia boa. Então, no Brasil, embora não estejamos como gostaríamos, acho que temos coisas para aplaudir, como o acesso universal. Mas tem muitas outras coisas que ainda não conseguimos fazer — salienta.
Além do acesso universal, o infectologista aponta que outro avanço já disponível é a possibilidade de ter sucesso no tratamento com apenas um ou dois comprimidos por dia. No entanto, existem medicamentos injetáveis que poderiam ser utilizados uma vez por mês, a cada dois meses ou semestralmente, que já são disponibilizados em outros países, mas não no Brasil:
— Para muitas pessoas é mais fácil fazer uma injeção por mês ou a cada dois meses do que tomar remédio todos os dias.
Sprinz também comenta que o acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP), que é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ajuda a prevenir a infecção por HIV, ainda é muito burocrático e precisaria ser facilitado para ampliar a adesão. Na visão do especialista, se todos os pacientes fossem alcançados com o tratamento e a prevenção adequados, a aids poderia deixar de existir em 80 anos.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que as estratégias de prevenção combinadas também envolvem o uso de preservativos e a profilaxia pós-exposição (PEP), ambos disponíveis no SUS. Também ressaltou que, com a expansão das ações de prevenção, “espera-se aumentar a detecção de HIV e a vinculação de pessoas ao tratamento antirretroviral, evitando o adoecimento por aids e ampliando o número de pessoas vivendo com HIV com carga viral indetectável, ou seja, pessoas que não transmitem o vírus, reduzindo o número de novos casos”.
A pasta federal afirmou, ainda, que o Programa Brasil Saudável, instituído em fevereiro deste ano, tem como meta a eliminação de 10 doenças e a transmissão vertical de cinco infecções determinadas socialmente até 2030. “Alinhado às diretrizes da Agenda 2030 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as metas para a aids são: ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas, dessas, 95% em tratamento e, das em tratamento, 95% com carga viral indetectável”.