Diagnóstico obtido por meio da voz do paciente, identificação precoce do câncer e transcrição de consultas. Esses são exemplos de aplicações de inteligência artificial (IA) em uso ou em desenvolvimento no Brasil e no Exterior.
— Isso não é mágica: é ciência e tecnologia — resume Fabio Gandour, médico e ex-cientista-chefe da IBM Brasil.
Gandour foi um dos palestrantes do MV Experience Fórum 2024, realizado em São Paulo no início do mês pela MV, empresa que desenvolve sistemas para a gestão da saúde.
Com o tema da aplicação da tecnologia no setor, o evento foi palco de troca de experiências sobre a inteligência artificial nos centros médicos. Além do uso, especialistas debateram as consequências no atendimento a pacientes e os desafios para o futuro.
IA nos consultórios
Paulo Magnus, fundador e CEO da MV, afirma que a IA já apresenta ganhos efetivos na rotina da saúde e há espaço para o crescimento da aplicação. Ele cita que uma das empresas do grupo – de medicina diagnóstica – utiliza algoritmos na análise de 90% dos exames. Outro exemplo de aplicação nos consultórios é uma ferramenta que transcreve consultas.
— Com um microfone, ela capta a conversa, estrutura os dados e registra no prontuário, sem precisar escrever ou digitar nada no computador. Calculamos que essa inteligência artificial “recupera” a metade do tempo que o médico usava na consulta com a parte burocrática — explica.
Segundo Magnus, a IA é promissora também na redução do tempo para concluir tarefas administrativas, financeiras e no mapeamento de fraudes nos centros de saúde. No entanto, o empresário pede cautela com o “hype” no assunto:
— A inteligência artificial está sendo usada para tudo, e o que é usado para tudo, pode acabar não sendo bom para nada. Há muitas oportunidades, é uma ferramenta que veio para ficar, mas temos de ter entregas práticas, porque há muita “fumaça” também.
Auxiliar no diagnóstico
Um dos benefícios já observados é o uso da IA na análise de exames, segundo Bruno Pozzi, oncologista e sócio-proprietário da clínica Oncovitta Paraná. Ele cita uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT na sigla em inglês), dos Estados Unidos, que antecipou em cinco anos um diagnóstico de câncer de mama.
O Google trabalha em uma ferramenta parecida para detectar esse tipo de doença e em outra que busca padrões na voz do paciente em busca de indicativos de tuberculose.
Além de auxiliar na análise, a expansão da IA poderá contribuir para o conhecimento sobre a dinâmica das doenças:
— Existem laudos de genética com cem páginas, que é um volume de dados grande para o médico acompanhar na rotina. Podemos colocar essas informações em uma IA, que encontrará padrões e indicará condutas mais rápidas e eficientes.
Segundo Pozzi, o interesse no assunto fará com que a IA fique mais barata e facilite a entrada dela no sistema público de saúde. O avanço significará uma mudança na área:
— Há até poucos anos, tínhamos o médico como o “dono da verdade” na saúde. Hoje existe uma relação mais horizontal, entre ele e o paciente. Acredito em um futuro com um terceiro agente: a inteligência artificial — pontua Pozzi.
Giovanni Guido Cerri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta que a inteligência artificial já era utilizada na saúde antes do “boom” causado pelas plataformas generativas, como o ChatGPT.
Ele cita um trabalho feito pelo Instituto de Radiologia (InRad) e no Hospital das Clínicas da USP, centros onde atua, no contexto pandêmico.
— Naquela época, os médicos não sabiam diagnosticar a covid, e os resultado dos exames de laboratório demoravam uma semana. Criamos uma plataforma na qual a tomografia era colocada, gerava um diagnóstico e indicava a extensão da doença — relata.
A inteligência artificial vai contribuir para a redução de erros médicos.
GIOVANNI GUIDO CERRI
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
Fim dos médicos?
Conforme Cerri, a IA já atua de forma “silenciosa” em equipamentos modernos de tomografia e ressonância, ao analisar o posicionamento correto para o paciente na avaliação, o que economiza tempo e recursos.
— A inteligência artificial não vai substituir o radiologista nem é um mecanismo decisório, e sim ajuda na eficiência e precisão: vai contribuir para a redução de erros médicos — acrescenta o professor da USP.
Andrey Abreu, diretor-corporativo de tecnologia da MV, diz acreditar que a inteligência artificial ajudará a reduzir a falta de assistência médica no mundo.
Um exemplo é o plano da China para ter o primeiro hospital 100% feito por IA, detalhado em maio pelo jornal Global Times. Desenvolvido pela Universidade Tsinghua, em Pequim, espera-se que tenha capacidade para atender 3 mil pacientes por dia.
A plataforma online é alimentada por modelos de linguagem de medicina – grandes bancos de dados –, que apresentaram a taxa de precisão de 93% nos testes. Os robôs fazem parte de todo o processo – diagnóstico, tratamento, acompanhamento e telemedicina. No início da operação, planejada para ocorrer ainda neste ano, 14 médicos e quatro enfermeiros estão à disposição para atender à demanda dos pacientes.
— A IA não vai acabar com empregos, mas transformá-los. Para que ela funcione, é necessário haver uma pessoa para treiná-la, ligá-la e desligá-la. Estamos vivendo uma revolução que vai mudar a atuação do médico, assim como a internet mudou a medicina no passado — pondera Abreu.
*O repórter viajou a convite da MV