“No hospital, percebi que estava diante da minha segunda chance, e cabia a mim e somente a mim escrever uma nova vida com final feliz. Sem correrias, peso controlado, comendo certo, fazendo exercícios físicos e outras instruções que nos dão para o bem viver.”
O trecho acima finaliza a página 70 do livro Uma Segunda Chance, escrito por Luis Carlei dos Santos, após uma série de problemas de saúde. Nos últimos 14 anos, o gaúcho sofreu seis acidentes vasculares cerebrais (AVCs), três acidentes isquêmicos transitórios (AITs) e duas convulsões. Os acontecimentos fizeram com que passasse a enxergar a vida de outra forma e a cuidar mais de si mesmo.
Natural de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, Luis teve o primeiro AVC em novembro de 2010. Com os exames, descobriu que estava com colesterol alto e que tinha diabetes e hipertensão. Também era sedentário, obeso e se alimentava muito mal.
— Eu trabalhava em uma empresa de software, em Passo Fundo. Eu trabalhava demais e comia errado, totalmente errado. Uma vez eu tinha uma viagem que eu tinha que estar às 8h em Santa Rosa, então tive que sair às 5h de Passo Fundo. Às 13h, eu tinha que estar em Santa Maria e aí como é que eu almoçava? Comprava um refrigerante e umas balas, porque eu adorava balas — relata Luis, que hoje tem 60 anos.
Formado em Administração e em Gestão Comercial, Luis chegava a trabalhar mais de 14 horas por dia. Ele conta que, ao priorizar o emprego, deixou de lado a família, os amigos e o cuidado com a saúde.
O segundo AVC veio em 2011. Nos dois anos seguintes, enfrentou dois AITs. Ficou temporariamente gago e com o lado direito do corpo paralisado — foi quando precisou se aposentar devido aos recorrentes problemas de saúde. Nessa época, ainda pesava quase 140 quilos e os médicos recomendaram que passasse por uma cirurgia bariátrica.
Nova rotina
Depois da operação, Luis passou a se alimentar melhor, incluindo frutas e legumes nas refeições. Também mudou outros hábitos, incluindo na rotina exercícios físicos e passeios com os amigos.
Atualmente, o aposentado mora em São Leopoldo — se mudou de Passo Fundo no início da pandemia para cuidar do pai, que estava doente e faleceu três meses depois. O aposentado afirma que busca preencher os dias com atividades que lhe façam bem física e psicologicamente.
Pela manhã, escuta programas da Rádio Gaúcha, faz caminhada e treina na academia. Depois do almoço, acompanha o Sala de Redação, descansa um pouco e assiste filmes pela televisão — às vezes, vai ao cinema ou sai para tomar café com os amigos. Gosta muito de ler jornal e reserva ao menos uma hora do dia para escrever. Terminou recentemente o segundo livro, que já está na gráfica.
— De tarde, eu dou uma volta para ver se encontro alguém, porque isso também eu comecei a valorizar mais: os encontros sociais. Antes, era só serviço, mas agora tenho bastante amigos — destaca, acrescentando que também tem um canal no YouTube, onde grava vídeos sobre saúde com convidados, e faz trabalhos voluntários.
Carlei lembra que a ideia de escrever um livro sobre sua trajetória surgiu com o objetivo de transmitir para as outras pessoas tudo que aprendeu com os problemas de saúde. O principal recado que tenta passar, resume, é a necessidade de ter equilíbrio em todos os aspectos da vida:
— A palavra-chave é equilíbrio. (É preciso) ter equilíbrio na sociedade, no trabalho, na alimentação, com a família, com as relações sociais, com as atividades físicas. E, para os que sofreram AVCs como eu, mesmo que tenham ficado com sequelas mais aparentes, digo para não desanimar. Eu não desanimei nunca. A vida é muito boa, então temos que tentar e procurar sempre fazer o bem para os outros.
Saiba mais sobre AVC e AIT
Segunda causa de morte e principal causa de incapacitação no mundo, o AVC se caracteriza pela obstrução ou pela ruptura de vasos que levam sangue para o sistema nervoso central, levando ao sofrimento desse tecido. O primeiro é chamado de isquêmico e, o segundo, de hemorrágico — isso porque, com o rompimento, ocorre o derramamento de sangue.
De acordo com Rosane Brondani, que é coordenadora da área neurovascular do Hospital Mãe de Deus e professora de neurologia Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), há dois tipos de fatores de risco para AVC. Os não modificáveis envolvem a idade, já que o risco é maior em pessoas mais velhas, principalmente acima dos 80 anos, o gênero, pois é mais prevalente em homens, e o histórico familiar.
Já os modificáveis abrangem hipertensão arterial sistêmica, diabetes, algumas doenças cardíacas, tabagismo, consumo excessivo de álcool, sedentarismo, colesterol elevado e obesidade. Além disso, o fato de já ter tido um AVC aumenta o risco de um novo acidente, porque a obstrução de vasos vai ocorrendo ao longo da vida:
— Não é somente um vaso, temos vários vasos que estão caminhando para essa obstrução. Se não modificarmos o que está levando a isso, o paciente vai ter novos vasos obstruídos e novos AVCs. Mas, se conseguirmos estabilizar os fatores modificáveis, podemos reduzir até 90% do risco de um novo AVC. Isso mostra a importância de identificar os fatores, orientar os pacientes e poder modificá-los.
A especialista explica que a manifestação clínica do AIT é muito semelhante à do AVC isquêmico. A grande diferença é que o primeiro reperfunde (restauração do fluxo sanguíneo após um período de isquemia) espontaneamente e o paciente não fica com nenhum tipo de lesão cerebral. Ou seja, o paciente tem a sintomatologia, mas se recupera sozinho — geralmente em 24 horas.
Entre os sinais de alerta para o AVC, Rosane cita: perda de força ou alteração de sensibilidade, formigamento, perda de tato, dificuldade para falar, fala enrolada, perda de visão de um ou ambos os olhos, tontura, perda de equilíbrio e de coordenação, dor de cabeça muito forte, que se apresenta muitas vezes com náuseas e vômitos. Todos esses sintomas, conforme a especialista, têm início súbito.
Atualmente, há tratamentos para tentar abrir o vaso obstruído com o uso medicação ou de catéteres, que ofertam uma chance muito grande de deixar o paciente com mínima ou nenhuma incapacidade. Rosane ressalta que é possível devolver à pessoa todas as funções que ela exercia antes, mas é preciso identificar os sinais e procurar atendimento.
— O tempo é fundamental, porque a cada minuto do momento em que ocorre uma obstrução de um vaso dois milhões de neurônios morrem. Por isso que tentamos ao máximo reduzir essa questão do tempo até o tratamento — finaliza.