Uma alteração bioquímica no cérebro que resulta em gestos repetitivos e expressões vocais involuntárias, assim caracteriza-se a síndrome de Tourette. Classificada como um distúrbio neuropsiquiátrico, a doença causa constrangimento, estresse excessivo e afeta a qualidade de vida dos pacientes, mas pode ser tratada adequadamente e tem baixo índice de morte.
Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome de Tourette acomete cerca de 1% da população mundial – aproximadamente 80 milhões de pessoas. Extremamente raro, o distúrbio não tem cura e ainda não há evidências científicas que comprovem a sua origem.
Uma das hipóteses para causa da síndrome de Tourette é de que há uma desregulação na ação da dopamina, o que causa “hiperatividade” em algumas regiões do cérebro, explica Carlos Rieder, neurologista da Santa Casa de Porto Alegre e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Como resultado desta alteração bioquímica, o paciente apresenta tiques motores e vocais, com repetição de movimentos, gestos e frases, de forma involuntária.
— A síndrome de Tourette é um conjunto de manifestações motoras, que são chamadas de tiques e que podem ser variados em diferentes partes do corpo e devem ser associados com tiques vocais (...) Do ponto de vista cerebral, não tem nenhuma alteração estrutural, nada degenerativo. É uma disfunção em nível bioquímico, em que áreas dopaminérgicas tem atividade aumentada, como se houvesse perda da inibição para fazer este movimento — diz Rieder. E pondera, ainda, que o distúrbio é caracterizado quando pacientes apresentam os sintomas durante mais de um ano, de forma descontrolada e em excesso, diferentemente dos “maneirismos”, gestos habituais que repetimos.
Há três formas de classificação do distúrbio, que são definidas a partir de como a doença se manifesta no corpo do paciente. Cada uma considera características distintas dos tiques: se são motores, vocais e obscenos – casos mais raros em que há repetição de gestos e palavras de xingamento.
- Copraxia: tiques motores com repetição excessiva de gestos/movimentos
- Ecolalia: uso involuntário de palavras
- Copralia: repetição de frases de xingamentos e gestos obscenos
— Tem uma situação chamada coprolalia, em que os pacientes vão dizer palavrões, dizer nomes. Há filmes que usam isso como uma coisa meio estereotipada, mas isso aí não é uma situação comum, é muito raro. Tem formas mais intensas que causam muito constrangimento nas relações sociais, nas relações interpessoais e profissionais — conta Rieder ao salientar que a condição não tem relação com o sistema nervoso, mas sim com a química cerebral.
Diagnóstico
Não há um exame específico realizado para identificar a síndrome de Tourette. O diagnóstico é totalmente clínico, a partir da análise e observação dos sintomas por um especialista.
Rieder destaca que os tiques motores são comuns durante a infância, especialmente na faixa etária entre seis e nove anos. Estas manifestações fazem parte do processo de maturação cerebral, então são classificadas como tiques motores simples e benignos, com tendência de desaparecer durante a fase adulta, explica o neurologista.
— Se começa a intensificar, se ficar mais grave, aí deve ser reavaliado. É importante sempre salientar que são, na maior parte, benignos que não vão evoluir. Mas alguns podem aumentar e se tornar mais generalizados, múltiplos. Não tem fatores que a gente possa prever se vai evoluir ou não.
Tratamento
Apesar de não haver cura para a síndrome de Tourette, é possível controlar o distúrbio a partir de administração de medicamentos e terapia cognitivo-comportamental. Em alguns casos, devido as situações de estresse e constrangimento, é necessário um acompanhamento psicológico também.
Neste panorama, Rieder destaca que é necessário educar sobre a doença para evitar casos de bullying, especialmente entre crianças na escola, sendo este o primeiro passo do tratamento. A utilização de medicamentos varia com a gravidade de cada caso, com diagnósticos em que é possível controlar os tiques motores a partir de terapia cognitivo-comportamental – método que trabalha a reconstrução de emoções a partir de sentimentos do paciente.
Para controlar diretamente o distúrbio, em casos mais intensos, indica-se o uso de medicamentos neurolépticos ou antipsicóticos – que bloqueiam a ação da dopamina no cérebro. Outro método em casos graves é o implante de eletrodos colocados em regiões estratégias do cérebro, mas com necessidade de realização de uma neurocirurgia.
— Com o eletrodo é possível modular o cérebro para corrigir o excesso ou falta de dopamina. É um núcleo que vai atuar inibindo o excesso dessa atividade dopaminérgica. Mas são os casos raros de estimulação cerebral profunda — explica o neurologista.
Rieder reafirma que os tratamentos apresentam boa eficácia e a síndrome de Tourette, unicamente, não é fatal. Conforme o neurologista, os raros casos de lesões atrelados ao distúrbio são decorrentes de ferimentos causados por tiques motores descontrolados e intensos, não propriamente pelo efeito do Tourette na bioquímica cerebral.
*Produção: Lucas de Oliveira