Você chega no supermercado e, ao encarar as prateleiras, se depara com avisos retangulares na frente das embalagens dos alimentos. Os destaques nas cores preto e branco parecem gritar: alto em gordura saturada, açúcar adicionado e sódio. Mas, na prática, qual o impacto nas escolhas dos consumidores e na sua saúde?
A rotulagem nutricional frontal foi estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) junto a outras novas regras para embalagens de alimentos, que entraram em vigor em 2022. O objetivo do símbolo informativo, conforme o órgão, é esclarecer ao consumidor, de forma clara e simples, sobre a alta presença de componentes que têm relevância para a saúde.
Após prorrogação da Anvisa, as indústrias terão até 9 de outubro deste ano para se adequarem às novas regras. Ou seja, nos próximos meses, o consumidor ainda poderá encontrar rótulos de alimentos sem os devidos avisos na parte frontal dos rótulos.
São três os tipos de nutrientes que precisam receber o símbolo da lupa, quando utilizados em alta quantidade: açúcar adicionado, gordura saturada e sódio. Luciana de Souza, coordenadora da Nutrição do Hospital Cristo Redentor, aponta que os rótulos costumam apresentar a lista de ingredientes de forma bem reduzida, o que muitas vezes faz com que os consumidores não a leiam. Nesse cenário, o destaque surge para que as pessoas fiquem mais conscientes do que estão consumindo — sobretudo aquelas que têm alguma doença crônica, intolerância ou alergia alimentar.
A especialista também salienta que os nutrientes que precisam aparecer em destaque nas embalagens não são essenciais para o nosso organismo e estão presentes em alta quantidade principalmente nos alimentos processados e ultraprocessados, que são os industrializados:
— Claro que precisamos de energia, vitaminas e minerais, mas não precisamos desses nutrientes em grande quantidade para que o nosso organismo funcione normalmente. Em quantidade maior do que o recomendado, eles acabam inclusive sendo prejudiciais para o nosso organismo, trazendo principalmente doenças crônicas, como obesidade, diabetes e hipertensão.
O sódio representa o sal e costuma estar presente, em grande quantidade, em alimentos como presunto, queijo e temperos prontos. O consumo excessivo pode elevar a chance de doenças cardiovasculares e insuficiência renal. A gordura saturada é encontrada em produtos de origem animal ou em alimentos modificados quimicamente (como o óleo no processo de fritura). Em excesso, pode causar aumento do colesterol e doenças cardiovasculares.
— O açúcar adicionado é uma mistura de açúcares, como glicose e frutose, que são adicionados aos alimentos para torná-los mais atrativos ao paladar. Em suma, a gordura saturada tem no alimento in natura e no ultraprocessado, mas o açúcar adicionado só nesse último — explica Luciana.
Impacto no consumo
A lupa na frente da embalagem chama a atenção e pode até fazer com que alguns consumidores optem por comprar produtos de marcas que não contenham os avisos em seus rótulos. Pensando nisso, algumas empresas fizeram ajustes nas formulações para que seus alimentos não precisassem ter o alerta, comenta Simone Weschenfelder, química industrial de alimentos e professora da Universidade Feevale.
Na visão da especialista, o impacto dos rótulos pode ser maior em adultos que têm filhos, já que é preciso atenção redobrada ao oferecer alimentos altos em sódio, açúcar adicionado e gordura saturada para crianças. Simone pondera, contudo, que não é preciso demonizar determinados produtos, mas sim tentar consumi-los com consciência e moderação.
— A pessoa que gosta de comer salgadinho e tomar refrigerante, não vai parar de consumir só por causa do aviso na embalagem, mas pode refletir e parar de consumir com tanta frequência. Podemos fazer uma analogia com as mensagens estampadas nas embalagens de cigarro, a diferença é que o alimento em si não é prejudicial, mas sim a questão de consumir demais. O aviso pode fazer com que a pessoa repense e mude seu hábito alimentar em um processo gradativo — afirma a professora.
Simone considera que os resultados mais concretos da mudança devem aparecer ao longo do tempo, mas garante que a lupa instiga a curiosidade e incentiva as pessoas a buscarem informações sobre o tema. Também acrescenta que a nova regra surge para reforçar a importância da prevenção e dos cuidados com a saúde para garantir uma melhor qualidade de vida:
— Acredito que, com o passar do tempo, as indústrias também vão repensar suas formulações, porque é o consumidor que manda nisso. Quando fica mais consciente e opta por alimentos mais saudáveis, as empresas percebem esse movimento e tentam recuperar os clientes.
Bruno Sutil, doutor em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), fez sua tese de doutorado sobre a percepção do consumidor diante dos avisos. Conforme Sutil, a pesquisa com o público demonstrou que as lupas são efetivas em informar ao consumidor sobre a saudabilidade dos alimentos — isso não quer dizer, contudo, que as pessoas entendam exatamente o que cada alerta significa.
— O que vemos é que, efetivamente, a lupa diminuiu a percepção de saudabilidade, enquanto as outras informações da embalagem pelo lado da empresa aumentam essa percepção. Por isso, alguns países até proíbem que haja essas informações controversas para não confundir o consumidor — afirma o doutor.
Sutil ressalta que essa percepção depende muito da categoria de produto, ou seja, a coerência entre o produto e o aviso impacta altamente na ideia que o consumidor tem sobre ele. Como exemplo, cita a lupa de “alto em açúcar adicionado” em refrigerantes:
— Quase todo mundo sabe disso, não vai deixar a percepção pior. Esses avisos são mais importantes em produtos que as pessoas acreditam ser saudáveis, mas não são, ou que a indústria passa a percepção de que são saudáveis, como os alimentos integrais. Pode ser integral e ser alto em sódio ou açúcar. Por isso é importante que o aviso esteja na frente do produto.
Quanto menos ingredientes, mais saudável
Enquanto nem todas as embalagens seguem a nova legislação, os consumidores podem — e devem — ficar atentos às listas de ingredientes. De acordo com a nutricionista, é possível saber se um alimento é ultraprocessado olhando para essas tabelas: quanto mais ingredientes tiver, mais processado e mais prejudicial à saúde aquele produto será.
— O alimento mais saudável é aquele que tem em torno de seis ou menos de 10 ingredientes. Dez, eu até já diria que é demais. Quanto menos ingredientes, menos aditivos, menos sódio e menos açúcar, mais saudável é — destaca.
Simone acrescenta que, independentemente da legislação, a lista de ingredientes sempre é apresentada em ordem decrescente — do maior para o menor. Assim, ao observar a relação, o consumidor pode saber qual o ingrediente predominante. O exemplo é uma marca de chocolate cuja lista cita primeiro o açúcar e, depois, o derivado de cacau. Se a outra marca apresentar o cacau antes do açúcar, sabe-se que é mais saudável. Por isso, considera importante ir ao supermercado com tempo para poder olhar as informações com atenção.
Para Luciana, é uma questão de reeducar o paladar. A nutricionista concorda que a mudança começa no supermercado e que, além de criar o hábito de ler os rótulos, os consumidores devem sempre procurar os alimentos mais in natura, como frutas, legumes e vegetais. A principal recomendação é que os ultraprocessados não façam parte da rotina e sejam consumidos com parcimônia.
— O interessante seria que as pessoas organizassem sua rotina em relação à alimentação. Fazer marmitas e o próprio lanche, porque quando fazemos a nossa própria comida, com certeza ela será mais natural, com menos desses nutrientes que são prejudiciais — finaliza.