Apesar do surgimento de novas opções de tratamento nos últimos anos, o câncer de mama segue representando um desafio para especialistas da área da saúde. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), esse é o tipo de neoplasia que mais mata mulheres no Brasil — em 2021, foram mais de 18 mil óbitos. São estimados 73.610 novos casos da doença somente neste ano, o equivalente a um risco de 66,54 diagnósticos a cada 100 mil mulheres. As maiores taxas de incidência e mortalidade estão nas regiões sul e sudeste do Brasil.
Envelhecimento, histórico familiar da doença, consumo de álcool, excesso de peso e falta de atividade física estão entre os fatores associados ao desenvolvimento do câncer de mama. Contudo, nos últimos 10 anos, houve um aumento significativo no número de mulheres recebendo o diagnóstico antes dos 50, aponta a chefe do Serviço de Mastologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andréa Damin.
— Temos 42% das mulheres com diagnóstico de câncer de mama com menos de 50 anos. São pessoas que estariam fora do público-alvo para o rastreamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E tem várias explicações para isso, como a mudança de hábitos, a gestação tardia, o aumento de peso durante a pandemia e o maior consumo de bebida alcoólica entre as mulheres — afirma a especialista, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia do Rio Grande do Sul.
A boa notícia é que os tratamentos contra a doença avançaram e, hoje, há alternativas menos agressivas e que melhoram muito a sobrevida das pacientes. O primeiro ponto destacado por Andréa refere-se aos anticorpos monoclonais, um medicamento que ataca células específicas do tumor:
— Essas proteínas conseguem bloquear as células cancerígenas para que elas não cresçam. É uma tecnologia que está avançando, mas já temos vários anticorpos, vários novos agentes que vão agir em diferentes ciclos da doença. São muito menos agressivos e atuam mais especificamente no tumor.
Conforme a chefe do Serviço de Mastologia do HCPA, houve uma grande evolução no entendimento sobre a biologia molecular do câncer de mama nos últimos cinco anos. Diante disso, se sabe que é uma doença totalmente heterogênea, que deve ser tratada de forma diferente, dependendo do tipo de tumor.
— Cada tumor tem suas particularidades e pode se comportar de forma totalmente diferente. Hoje, oferecemos uma terapia muito mais personalizada para as pacientes — ressalta.
Além dos anticorpos, há testes genéticos que ajudam a determinar se a paciente precisa fazer quimioterapia ou não. Para isso, o exame “lê” a assinatura genética do tumor. A especialista comenta que ambas as alternativas não são ofertadas pelo SUS, somente pelos planos de saúde.
Diferenças entre SUS e privado
Para exemplificar as diferenças entre os sistemas público e privados, Andréa cita o estudo Amazona III, recentemente publicado na Breast Cancer Research and Treatment, que compara o atendimento das pacientes no SUS e na saúde complementar. Ela comenta que 73% da população brasileira depende exclusivamente do SUS e que a pesquisa demonstrou uma diferença no estadiamento entre os dois sistemas: 50% dos casos são diagnosticados em estádio avançado no público, contra 18,3% no privado.
Além disso, segundo a especialista, o estudo apontou que as pacientes do SUS esperam o dobro de tempo para iniciar o tratamento oncológico em comparação com o sistema privado, refletindo em maior mortalidade.
— Mais da metade das pacientes chega com câncer em estágio 3, é uma grande diferença. O SUS não dispõe dos testes genéticos. Então, pelo sistema público, não conseguimos fazer essa avaliação de tumores iniciais, que teríamos dúvidas sobre fazer quimioterapia ou não. Antes dessas medicações, o tratamento era praticamente o mesmo em ambas as redes, agora não é mais — aponta.
Cada tumor tem suas particularidades e pode se comportar de forma totalmente diferente. Hoje, oferecemos uma terapia muito mais personalizada para as pacientes.
ANDRÉA DAMIN
Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora da UFRGS
A especialista esclarece que as novas tecnologias são muito caras, por isso, o custo dos tratamentos está muito elevado. Para mudar esse cenário, seriam necessárias políticas públicas que ajudassem a diminuir os valores.
De toda forma, tanto no sistema público quanto no privado, a quimioterapia segue sendo o tratamento mais utilizado para os casos avançados. Andréa ressalta que é possível associá-la com outras drogas e que, no final da década de 1990, houve a introdução do Taxol — uma quimioterapia que também está disponível pelo SUS:
— A quimioterapia também mudou, melhorando muito a sobrevida das pacientes. Mas, em estágios iniciais, a sobrevida vai estar em torno de 98%, por causa do tratamento cirúrgico. Um câncer inicial não costuma ter disseminação de células à distância. Com isso, a chance de metástase no início é muito baixa, então o tratamento pode ser somente local. O nosso objetivo é que no SUS também se consiga atender as pacientes em estágio inicial.
Conforme a especialista, a pandemia colaborou com a piora do cenário. Entre 2020 e 2021, o número de atendimentos nessa área no Clínicas diminuiu 40% na comparação com 2019. Ela também afirma que, no HCPA, estão chegando casos muito mais avançados, devido à dificuldade de acesso — considerando que é preciso consultar no posto de saúde, ir fazer a mamografia, pegar o resultado e, depois, ir ao médico mostrar o exame.
— Teríamos que achar uma forma de facilitar o acesso e ter um resultado imediato. Um centro da mulher em que a paciente saísse com tudo pronto, porque todo esse movimento é muito difícil. O tempo de tratamento dentro do hospital também é um problema, deveria levar no máximo 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento, mas nem todos cumprem, no Interior é difícil — lamenta.
Contatado por GZH, o Ministério da Saúde informou que para incorporar inovações de tratamentos ou tecnologias ao atendimento oncológico, conta com o trabalho da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec), que realiza processos de avaliação de tecnologias transparentes e sistemáticos. "É a partir dessa avaliação que se alteram, excluem ou integram novas tecnologias em saúde, bem como se alteram ou constroem protocolos clínicos e diretrizes terapeutas", diz a manifestação.
A nota não cita os testes genéticos observados pela especialista. Porém, a pasta destaca a oferta de "várias linhas" dos tratamentos de imunoterapia. Sobre o diagnóstico, o MS reforça que o SUS dispõe de todos os exames para investigação (mamografia, ultrassonografia mamária, biópsia e exame anatomopatológico).
Mamografia
Conforme o Inca, é recomendado que mulheres entre 50 e 69 anos façam uma mamografia de rastreamento a cada dois anos. A instituição destaca, porém, que o exame destinado à avaliação de uma alteração suspeita na mama é chamado de mamografia diagnóstica e pode ser feito em qualquer idade, havendo indicação médica.
Andréa afirma, entretanto, que a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e as sociedades médicas recomendam que o exame seja feito de forma anual, a partir dos 40 anos, e que existe uma lei de 2008 garantindo o acesso. E comenta que o governo americano, por exemplo, reduziu a idade de início para realização de mamografia neste ano, em função do aumento de casos em jovens.
A especialista ainda ressalta que todas as mulheres têm risco de aproximadamente 11% de ter câncer de mama e que essa chance aumenta quando há histórico familiar em parentes de primeiro grau.
— O autoexame também é muito importante. A mulher precisa se conhecer e ver se tem algo na mama. O autoexame deve ser feito depois da menstruação, nunca antes, uma vez por mês. É preciso apalpar a mama e a axila, e, se sentir algum nódulo, procurar atendimento médico — recomenda, reforçando que o autoexame normal não exclui a necessidade de uma mamografia.
Leia a nota do Ministério da Saúde na íntegra
O Ministério da Saúde é responsável pela Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, que envolve múltiplas ações para detecção antecipada e tratamento da doença. Por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), a Pasta preconiza a investigação diagnóstica com biópsia dos casos suspeitos, sejam sintomáticos (mulheres com sinais e sintomas) ou assintomáticos (mulheres com mamografia de rastreamento com alteração suspeita). Com a confirmação diagnóstica, é definido o tratamento cirúrgico, quimio e/ou radioterápico, a depender do estágio da doença, juntamente com o suporte paliativo e de reabilitação (fisioterapia), conforme a necessidade.
O SUS dispõe de todos os exames para investigação (mamografia, ultrassonografia mamária, biópsia e exame anatomopatológico) e tratamento. O Ministério da Saúde atua para que a incidência de câncer, cuja estimativa para este ano é de 73.610 novos casos de câncer de mama, não se reflita em número de pacientes reais.
Também são oferecidos, em oncologia, tratamentos como a imunoterapia. Esta consiste em qualquer forma de tratamento que busque recuperar a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e controlar/destruir a célula tumoral. A imunoterapia inclui tratamentos que agem de diferentes formas. Alguns estimulam o sistema imunológico do corpo de uma forma muito geral, enquanto outros ajudam o sistema imunológico a atacar especificamente as células cancerígenas. No SUS, existem várias linhas de tratamento para diferentes tipos de câncer que utilizam de imunoterápicos.
Para incorporar inovações de tratamentos ou tecnologias para o atendimento oncológico, o Ministério da Saúde conta com o trabalho da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC), que realiza processos de avaliação de tecnologias transparentes e sistemáticos. É a partir dessa avaliação que se alteram, excluem ou integram novas tecnologias em saúde, bem como se alteram ou constroem protocolos clínicos e diretrizes terapeutas.