Em março deste ano, a professora de educação infantil Thaís Schönardie trocou o interior de Novo Hamburgo para viver uma aventura na ensolarada Brisbane, terceira cidade mais populosa da Austrália. O destino é comum entre os brasileiros — o irmão dela, inclusive, já morava lá — e encantou a gaúcha pelo verde, a segurança e a proximidade das praias paradisíacas da Gold Coast. Thaís chegou comemorando os 30 anos de idade e começou uma nova fase da vida, trabalhando em um salão de beleza e estudando inglês do zero. A nova etapa, no entanto, reservava a ela um diagnóstico de câncer de mama.
— Há uma comunidade no Facebook chamada Brasileiros em Brisbane e chamou minha atenção a quantidade de relatos de brasileiras que estavam descobrindo câncer de mama. O grupo fazia vaquinhas para ajudá-las. Fiquei preocupada porque eu também estava sentindo uma bolinha na lateral do meu seio esquerdo crescendo rápido, eu conseguia enxergar o nódulo — relembra.
Quatro meses antes de viajar, ela havia feito uma mamografia que não apontava nada diferente do habitual. Apesar de ser jovem, Thaís monitora periodicamente as mamas pois convive com uma série de nódulos desde a adolescência — chegou a remover dois, sempre benignos. Embarcou no avião tranquila, mas foi surpreendida em agosto com o diagnóstico do tumor maligno e agressivo, do tipo triplo negativo, que demandava ação imediata para tratamento.
O câncer de mama em mulheres jovens é considerado uma doença rara segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), já que a incidência aumenta com a idade e a maior parte dos casos ocorre a partir dos 50 anos. Mas no entendimento de Gustavo Werutsky, médico oncologista do Hospital Moinhos de Vento e diretor Executivo do Latin American Cooperative Oncology Group (LACOG), a questão do câncer de mama em jovens — a nível científico, consideradas as com menos de 40 anos — merece atenção por uma série de motivos, como por exemplo, o fato de que os tumores tendem a ser mais agressivos e constatados em estágio mais avançado do que entre as pacientes de mais idade. Como reflexo, explica ele, elas acabam tendo de se submeter a tratamentos mais tóxicos e correm o risco de acumular sequelas no longo prazo.
— Grande parte das mulheres jovens acaba detectando o câncer por sintoma, não por rastreamento, e o impacto disso é que geralmente ele já está em estágio um pouco mais avançado. Para se ter uma ideia de proporção, o tumor triplo negativo, que é o mais agressivo do câncer de mama, ocorre em 23% dos casos de mulheres com menos de 40. Já para a faixa etária acima, ocorre em 14%. Outro subtipo também agressivo, o tumor HER2+, ocorre em cerca de 30% dos casos de câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos, enquanto para as acima desta idade, ocorre em cerca de 16% a 20% — detalha o pesquisador.
O cenário do câncer de mama em território brasileiro, na comparação com outros países, também demanda medidas específicas para pacientes jovens. Segundo o oncologista, o Brasil tem uma proporção de população jovem maior do que em países mais desenvolvidos e isso tem um impacto no volume de jovens diagnosticadas com câncer de mama. Tal fotografia, no entendimento dele, demanda medidas como fazer rastreamento mais cedo, ter agilidade no diagnóstico e mais acesso a aconselhamento genético e a medicações avançadas para preservação da fertilidade.
— No Brasil, temos uma proporção de pacientes de câncer de mama com menos de 40 anos em torno de 17%, que é, por exemplo, mais do que o dobro dos 7% registrados nos Estados Unidos. É uma população que precisa ser melhor vista no nosso país, pois quando estamos lidando com pacientes jovens, são outras preocupações, é preciso pensar em fertilidade, qualidade de vida. Precisamos saber cuidar dessas pacientes — defende Werutsky.
Novo começo
Com a ajuda de uma vaquinha bancada por familiares, amigos e pelo grupo de brasileiros, Thaís fez exames e deu início à quimioterapia na Austrália, mas optou por retornar ao Rio Grande do Sul em 9 de setembro, onde teria rede apoio familiar e assistência médica pela rede pública. Atualmente, passadas quatro sessões, o prognóstico é bom pois o nódulo reduziu pela metade. Como consequência, no entanto, os longos cabelos com mechas loiras feitas no intercâmbio começaram a cair toda vez que passava a mão ou sacudia a cabeça. Impactada, ela pediu para o pai cortar bem curtinho, com máquina regulada na altura quatro.
Apesar do sorriso largo e da leveza que Thaís exibiu durante a sessão de fotos para Donna, ela descreve que o golpe na autoestima é o que tem sido mais violento no processo todo, que deve se encaminhar para cirurgia depois de novembro.
Só estou esperando passar por essas etapas para voltar a curtir a vida
THAÍS SCHÖNARDIE
— Em termos de autoestima, se for necessário retirar a mama, acho que vou conseguir lidar melhor do que estou lidando com a questão do cabelo. Até porque, atualmente, há reconstrução, prótese de silicone, dá para refazer auréola com tecido e tatuagem, então não vejo a cirurgia como algo negativo — explica.
Com exceção do incômodo com a questão do cabelo, a gaúcha é toda energia positiva e confiança para encarar a batalha, que ainda está no início. Ela dá um recado a outras mulheres, de todas as faixas etárias:
— A dica é se tocar, olhar para as mamas, perceber carocinhos, dar atenção a isso e procurar ajuda o quanto antes. Ter ido logo me consultar está fazendo com que meus resultados sejam positivos e, em nenhum momento, passa pela minha cabeça que não vai dar certo. Só estou esperando passar por essas etapas para voltar a curtir a vida.
De olho nelas
Existem ações no RS buscando trazer atenção a pacientes mais jovens e se somar às numerosas iniciativas voltadas a mulheres com mais de 50 anos. Uma delas é a MAMA, uma plataforma online que busca ser um canal de informação sobre prevenção para mulheres millennials e geração Z, iniciativa da qual Werutsky é responsável científico. Uma das principais bandeiras do MAMA e também da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) é de que a idade em que se deve começar o rastreamento por meio da mamografia de rotina seja aos 40 anos, diferentemente do que é recomendado pelo INCA, a partir dos 50.
— Nos últimos anos, foram publicados estudos, como por exemplo um realizado na Inglaterra com 160 mil pacientes, que demonstraram que quando a gente faz mamografia em pacientes entre 40 e 50 anos, a gente também reduz as mortes por câncer de mama na população geral — diz o oncologista, referindo-se ao estudo publicado na revista científica The Lancet Oncology em 2020.
Antes dos 40, a recomendação dos especialistas para prevenção é de que a mulher se informe e esteja ciente de que o câncer de mama também pode ocorrer mais cedo na vida. Além disso, cuide da sua saúde, tenha hábitos saudáveis de alimentação, se exercite, não fume, não exagere na bebida alcoólica e vá ao ginecologista com frequência, compartilhando com ele o histórico familiar de doença, se houver.
— O câncer de mama é multifatorial, pode ser relacionado a herança genética, comportamento etc. E houve uma mudança comportamental da mulher no processo de modernização pelo qual o Brasil passou, que aumenta alguns fatores de risco para câncer de mama, como por exemplo engravidar mais tarde, ingerir mais álcool, não amamentar, se expor mais à utilização de hormônios do que no passado, entre outros que ainda estão sendo investigados — afirma a mastologista Rosemar Rahal, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Mastologia.
Vitória em família
A moradora de Canoas Flávia Santos da Costa comemorava 12 semanas da primeira gestação quando descobriu um câncer de mama, positivo para receptor hormonal. Ela tinha 34 anos quando sentiu o nódulo com as mãos, enquanto colocava o sutiã.
— Minha mãe, hoje recuperada, já teve câncer de mama, mas sempre achei que eu seria exceção. Depois, achei que ia ser quase uma raridade, uma mulher de 34 com câncer. Mas quando você começa a frequentar ambientes de tratamento oncológico vê que, na verdade, existe uma quantidade bastante significativa de pessoas jovens com câncer de mama, inclusive mais novas do que eu — relata a bióloga, hoje com 42 anos.
Em 2016, Flávia precisou dar início à quimioterapia pois o nódulo já tinha quatro centímetros e estava crescendo, alimentado pelo boom de hormônios da gravidez. O tratamento foi apresentando resultados positivos, mas o bebê, por uma série de fatores, não resistiu. A gestação de Rafael teve fim no sexto mês.
— É uma barra descobrir que você está com câncer grávida. Você pensa: "Gente, não posso morrer, vou ter um filho". A segunda barra é que, no meio do combate, perdi um soldado. Por que o bebê me motivava de alguma forma: "Vambora, não posso deixar a peteca cair, tenho que seguir e terminar esse protocolo de uma vez" — relembra.
O tratamento incluiu quimioterapia, radioterapia e, por conta do seu tipo de câncer, um protocolo de 10 anos de duração de bloqueio hormonal, que a coloca em uma espécie de menopausa. Por aconselhamento médico, também fez mastectomia em ambas as mamas, uma escolha difícil pois deu fim ao desejo de um dia amamentar. Mas o sonho de ser mãe foi preservado.
— Em 2019, fui autorizada pelos médicos a suspender o bloqueio hormonal para ver se eu conseguia gestar. Depois de três meses sem medicação, fiquei menstruada, sinal de que meu corpo não tinha entrado permanentemente em menopausa. Na pandemia, engravidei e, em 2020, eu e meu marido tivemos a Luíza — conta ela.
Grande parte das mulheres com menos de 40 anos que fazem quimioterapia ficam inférteis — quase a metade, estima Werutsky. Dessa forma, na medida do que é possível em cada caso, o que a medicina tenta fazer é preservar a fertilidade através do congelamento de óvulos ou tecido ovariano, para que pacientes que desejam ser mães possam fazer reprodução assistida mais tarde. Outra opção, observa, é usar uma medicação que as deixa em menopausa durante um tempo, principalmente nos primeiros dois anos de combate à doença, depois retirá-la para abrir uma janela de tentativas de engravidar. Após a gestação, retoma-se o uso do remédio.
— Um estudo recente e muito importante acompanhou cerca de 500 pacientes que, depois de dois anos em tratamento, pararam o tratamento hormonal e tentaram engravidar. Cerca de 75% delas conseguiu engravidar depois dessa pausa, um sucesso. E a segunda vitória é que o risco de voltar a doença nessas pacientes ficou em torno de 9%, número que não é diferente do risco da população geral que não engravidou. Isso nos dá segurança para planejar com as jovens que querem gestar depois do câncer uma fase segura para fazer isso — observa o oncologista, referindo-se ao artigo de 2023 publicado no The New England Journal of Medicine.
"Às vezes a gente faz um plano, mas enquanto isso a vida está fazendo um plano completamente diferente pra nós", é a forma como Flávia resume hoje o que lhe aconteceu desde o diagnóstico. No início do tratamento, quando era totalmente incerta a perspectiva de voltar a ter filhos biológicos, o casal de Canoas decidiu se habilitar para adoção. Acelere o tempo para 2023 e você vai ouvir Flávia dando entrevista ao mesmo tempo em que acalma os chorinhos da bebê de seis meses, Beatriz, adotada em abril.