Para uma parcela da população, o som da água com gás caindo no copo dá início a uma experiência muito mais satisfatória do que consumir uma "água normal". Na sequência, ao ingerir a bebida, as bolhas de ar provocam o paladar, dando a impressão de limpeza das papilas gustativas.
O estímulo dos sentidos faz com que esse tipo de bebida seja priorizado por muita gente, e entre na conta da quantidade de água recomendada para um adulto — que fica em torno de dois litros ao dia. Mas será que a água gaseificada traz os mesmos benefícios da água sem gás? Para além disso: será que ela não traz nenhum prejuízo?
Conversamos com especialistas sobre o assunto. Mas, antes de esclarecer alguns pontos, é preciso fazer a distinção entre as diferentes "águas gaseificadas" que podem ser encontradas:
- Água mineral naturalmente gaseificada: fontes que ficam próximas a regiões onde há aquecimento subterrâneo são capazes de produzir de forma natural essa água. Isso porque o calor produzido é tão forte que quebra as moléculas dos minerais encontrados na água, levando à formação de gases no líquido. Esses produtos apresentam naturalmente compostos de sal e enxofre.
- Água mineral gaseificada artificialmente: aqui, por outro lado, a água passa por um processo intencional de gaseificação, no qual CO2 é adicionado ao líquido — algo que, hoje, também pode ser feito em casa com máquinas próprias para isso. Nesse caso, como a concentração é definida pelo consumidor, indica-se cautela.
Água com gás tem mais valor nutricional do que a água "normal"?
Não. A água gaseificada tem o mesmo valor nutricional da água comum.
— A água com gás não é especial por nenhum motivo. Mas, para muitas pessoas que não gostam ou não têm o costume de beber água normal, pode ser mais atraente. Ainda mais quando misturada com frutas, que é melhor do que tomar suco — informa a nutricionista Mônica Beyruti, do Departamento de Nutrição da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Aliás, a mistura com frutas pode ser uma solução para abandonar o consumo de refrigerantes.
É importante lembrar, no entanto, que não é recomendado que a dose diária de água (cerca de dois litros) seja totalmente contemplada pela versão com gás. O ideal é consumir até 300 ml duas vezes na semana e, se possível, em pequenas doses ao longo do dia. É que, em excesso, o líquido pode não cair bem para o estômago — assunto do nosso próximo tópico.
A água com gás não é especial por nenhum motivo. Mas, para muitas pessoas que não gostam ou não têm o costume de beber água normal, pode ser mais atraente.
MÔNICA BEYRUTI
Nutricionista do Departamento de Nutrição da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso)
Água com gás faz mal para o estômago?
Em excesso, sim — assim como todos os outros líquidos que são gaseificados.
— Eles provocam uma inflamação na mucosa, tanto do esôfago quanto do estômago, irritando o local de forma mais aguda — explica Vanessa Prado, gastroenterologista e cirurgiã do aparelho digestivo, de São Paulo:
— Para quem tem refluxo pode ser pior ainda, porque o gás acaba fermentando no estômago e prejudicando a digestão do alimento.
Aliás, de acordo com ela, um dos maiores erros é tomar água com gás para ajudar na digestão.
— O excesso de dióxido de carbono gera um estufamento, uma dilatação do estômago. Então, na tentativa de ajudar na digestão, você só cria um problema maior: um processo de irritação no esôfago que pode resultar em uma esofagite ou uma gastrite — diz.
Se os goles forem volumosos, a irritação da mucosa do estômago é mais significativa ainda. Daí o conselho de maneirar na quantidade, e beber aos poucos. Para facilitar a digestão, a médica indica água mineral sem gás com limão espremido ou um chá de camomila meia hora após a alimentação.
Água com gás dá mais saciedade?
Essa é uma falsa impressão, na realidade. Claro que ela causa um estufamento maior do que a água normal, mas Mônica explica que beber qualquer líquido pode dar a sensação de saciedade — inclusive porque muitas vezes não distinguimos entre sede e fome.
— Por isso a gente orienta tomar um copo d'água antes das refeições. Esse hábito pode fazer até com que a pessoa coma um pouco menos — conta a nutricionista.
— Claro que é importante pensar na quantidade de comida também, porque não adianta nada comer pouco e, depois de alguns minutos, beliscar umas besteiras. O interessante é controlar essa hidratação sem atrapalhar a alimentação — diz a especialista da Abeso.
Ela ainda alerta: o consumo de líquidos junto com a comida pode atrapalhar a digestão.
Água com gás pode prejudicar os dentes?
Depende. É verdade que bebidas com o pH mais baixo, como é o caso da água com gás, podem ser corrosivas para os dentes, tornando-os mais suscetíveis a problemas como cáries, por exemplo. Mas, além de a água gaseificada não ser tão erosiva quanto um refrigerante, como mostrou um estudo de 2016 publicado no Journal of the American Dental Association, a cárie é uma doença que surge devido a uma combinação de diversos fatores.
Entre eles estão as condições dos dentes, a qualidade da dieta (sobretudo no que diz respeito à presença de açúcar) e o perfil da microbiota do indivíduo.
— E tudo isso agindo em um intervalo de tempo específico — explica a dentista Andrea Anido, membro da Câmara Técnica de Dentística do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
Andrea explica ainda que o dióxido de carbono da água borbulhante é convertido em ácido carbônico quando se mistura com a saliva, diminuindo o nível de pH da boca. Isso pode interferir no processo de desmineralização e remineralização dos dentes, situação que aumenta o risco de sensibilidade dentária.
— Mas se a pessoa não consumir água com gás em excesso e não usá-la para fazer bochecho, não terá alterações — tranquiliza.
Caso não queira arriscar, uma dica é consumir a água com gás próximo às refeições, já que, quando comemos, a boca produz saliva adicional, e isso pode neutralizar os ácidos na superfície dos dentes.
Outra medida interessante é aguardar pelo menos meia hora para escovar os dentes após comer e tomar água gaseificada (e outras bebidas, como sucos). Assim, dá tempo de o pH se reequilibrar, evitando prejuízos ao esmalte dentário.
Água com gás melhora o paladar?
É comum recebermos um copinho de água com gás antes de experimentar cafés e vinhos com a justificativa de que esse tipo de líquido "limpa o paladar.
— Na verdade, é uma pegadinha sensorial — informa Ensei Neto, especialista em café e colunista do Paladar.
— A água com gás, principalmente as mais gaseificadas, dão a percepção de adstringência. Assim, ao degustar bebidas como café ou vinho, elas irão parecer mais macias — descreve.
Mas isso só tende a acontecer depois do segundo gole.
Elas têm gás, mas não são água
Vale lembrar ainda que há bebidas gaseificadas que parecem água, mas não são. Veja:
- Club soda: trata-se de uma água com gás infundida com outros minerais, como bicarbonato de sódio, citrato de sódio e sulfato de potássio.
- Água tônica: é uma bebida gaseificada que contém água, açúcar ou adoçante e quinino.
- Hard seltzer: essa bebida ficou famosa nos Estados Unidos, e vem ganhando espaço no mercado brasileiro. Ela leva água gaseificada com sabor e uma pequena quantidade de álcool.