Não é verdade que o Ministério da Saúde tenha proibido a aplicação de vacinas contra a covid-19 nem que tenha alertado sobre perigos envolvendo-as. Posts usam trecho de vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia faz tais afirmações, mas o órgão apenas alterou a indicação da AstraZeneca para pessoas a partir dos 40 anos. A mudança foi por conta de novas evidências científicas que relacionam o imunizante a casos raros de trombose. Em nenhum momento o ministério parou de recomendar que as pessoas se vacinem – pelo contrário, em seus comunicados, a entidade sempre reforça a segurança e eficácia das vacinas.
Conteúdo investigado
Vídeo que alega que as vacinas foram proibidas. A gravação mostra Alexandre Garcia afirmando que somente agora o Ministério da Saúde estaria avisando sobre riscos de trombose decorrentes das vacinas da Janssen e AstraZeneca e que esta última teria tido a produção suspensa no Brasil. Sobre o vídeo foi colocada a mensagem alarmista: “Proibiram as vacinas, e agora? E quem já tomou?”.
Onde foi publicado
TikTok e Kwai.
Conclusão do Comprova
É falso o post com um trecho de vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia afirma que o Ministério da Saúde “está avisando agora que há perigo de trombose em vacinas Janssen e AstraZeneca” e que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) parou de produzir esta última. Uma das publicações que circula com a gravação usa a legenda “Proibiram as vacinas agora? E quem já tomou?”. Nem mesmo Garcia fala sobre uma suposta “proibição”, como fez o autor do post.
O jornalista tira informação de contexto ao dizer que o ministério alertou tardiamente sobre o “perigo” de os imunizantes causarem trombose. O órgão sempre defendeu o uso das vacinas e nunca as relacionou com “perigo”. O que ocorreu foi que, já em abril de 2021 – e não agora –, o ministério publicou nota técnica sobre possíveis casos de Síndrome de Trombose e Trombocitopenia (STT) associados à vacina. Mais recentemente, em dezembro do ano passado, considerando raros casos da doença no exterior, o Ministério da Saúde alterou a recomendação da AstraZeneca, produzida pela Fiocruz, e da Janssen, passando a indicá-las para pessoas a partir dos 40 anos. De acordo com o documento, a incidência de ocorrência da STT é bastante variável entre os diferentes países, com estimativas entre 0,2 até 3,8 casos por 100 mil doses aplicadas
A mudança não significa que a vacina não seja segura, o que o órgão reforçou em nota de abril deste ano, em que garante a segurança e eficácia da Astrazeneca e destaca que ela foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Um usuário do TikTok que compartilhou o vídeo no dia 29 de maio obteve, em 24 horas, 18,7 mil curtidas e 16,7 mil compartilhamentos. No Kwai, não há publicações recentes do vídeo, mas uma delas, feita no dia 14 de abril, tinha sido assistida, até 2 de junho, 91,5 mil vezes.
Como verificamos
O Comprova fez uma busca no Google por informações sobre a suposta proibição das vacinas e encontrou uma nota da Anvisa explicando que nenhum dos imunizantes aprovados pela agência teve o uso desautorizado.
Por meio das Notas Técnicas e Boletins Epidemiológicos emitidos pelo Ministério da Saúde checamos as informações sobre eventos supostamente atribuídos às vacinas. Também consultamos matérias que saíram em veículos de imprensa profissional e em agências de checagem sobre a mudança da recomendação do uso das vacinas AstraZeneca e Janssen.
Verificação
O vídeo
Conteúdos semelhantes ao investigado aqui já haviam circulado em abril. Os posts de agora usam trecho de um vídeo publicado no canal do YouTube de Alexandre Garcia no dia 13 de abril, quando o Ministério da Saúde publicou recomendação garantindo a segurança e eficácia da AstraZeneca e reforçando que ela foi aprovada pela Anvisa e pela OMS.
Intitulado “Lula não sabe por que dólar é moeda padrão”, o vídeo, de 14 minutos e 16 segundos, trata de outros assuntos, como economia, Bolsa Família e o julgamento de André do Rap. A partir de 12 minutos e 17 segundos, desinforma sobre as vacinas contra a covid.
Vacinas não foram proibidas
A Anvisa explicou em nota, publicada no dia 13 de abril, que nenhuma das vacinas contra a covid-19 aprovadas pela autarquia foi proibida ou desautorizada. O documento informa que a agência é “responsável por analisar os pedidos apresentados pelas empresas farmacêuticas a fim de verificar se os dados e informações técnicas garantem a eficácia, segurança e qualidade das vacinas”.
A Anvisa aprovou os imunizantes produzidos pela Pfizer, Butantan, Janssen e Fiocruz/AstraZeneca e concedeu autorização para exportação excepcional do imunizante da Sputnik. Ou seja, a mensagem inserida no vídeo não é verdadeira.
A Fiocruz não parou de produzir as vacinas
No dia 14 de abril, a Fiocruz, responsável pela produção do imunizante da AstraZeneca no país, emitiu uma nota explicando que a fabricação não tinha sido paralisada, que a vacina é segura e eficaz e que os “possíveis efeitos adversos graves, como a síndrome de trombose com trombocitopenia, são extremamente raros”.
De acordo com Boletim Epidemiológico, publicado pelo Ministério da Saúde, do dia 18 de janeiro de 2021 a 18 de junho de 2022 foram registrados 16 óbitos decorrentes de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI) cuja causa foi a vacina aplicada (12 pela AstraZeneca/Fiocruz e quatro pela Janssen). “Ressalta-se que os 16 óbitos com relação causal confirmada correspondem a um caso a cada 20 milhões de doses aplicadas”, explica o documento.
Mesmo com o registro desses casos raros, a Anvisa manteve a recomendação da continuidade da vacinação com as vacinas da AstraZeneca e da Janssen, por compreender que os benefícios dos produtos superam seus riscos.
Houve, porém, em dezembro de 2022, uma sugestão do Ministério da Saúde para que tais imunizantes fossem aplicados preferencialmente em pessoas acima de 40 anos.
Ministério da Saúde acompanha casos adversos de pós-vacina
No vídeo alvo desta checagem, Alexandre Garcia acusa o Ministério da Saúde de estar avisando somente agora (referindo-se a abril de 2023) que as vacinas supostamente causaram trombose. Isso não é verdade. Pelo menos desde abril de 2021, o Ministério da Saúde orienta sobre a identificação, investigação e manejo da Síndrome de Trombose e Trombocitopenia (TTS) no contexto da vacinação contra a covid-19 no Brasil.
Em 22 de abril de 2021, a pasta emitiu a Nota Técnica nº 441/2021 sobre o assunto. As recomendações foram atualizadas em 4 de agosto de 2021 com a publicação da Nota Técnica nº 933.
Mais recentemente, em 31 de dezembro de 2022, considerando os raros eventos em países da Europa e na Austrália e nos Estados Unidos da TTS após a vacinação, o Ministério da Saúde atualizou as recomendações de uso da AstraZeneca e Janssen. As duas são fabricadas a partir de uma tecnologia conhecida como vetor viral e, de acordo com o documento, o indicado seria que elas fossem aplicadas para uma determinada faixa etária.
No item 3.7 da nota está escrito: “As vacinas de vetor viral estão indicadas para uso na população a partir de 40 anos de idade e; em pessoas de 18 a 39 anos de idade, devem ser administradas preferencialmente vacinas Covid-19 da plataforma de RNAm, entretanto, nos locais de difícil acesso ou na indisponibilidade do imunizante dessa plataforma, poderão ser utilizadas as vacinas de vetor viral (Astrazeneca e Janssen)”.
Ainda sobre os monitoramentos feitos pelo Ministério da Saúde, cabe destacar que em fevereiro de 2021, a Anvisa, órgão responsável por monitorar os eventos relacionados ao uso das vacinas e medicamentos, publicou o painel de Farmacovigilância sobre eventos adversos. Os Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI) são monitorados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). O sistema de informação utilizado pelo PNI para o monitoramento de eventos pós-vacinação é o e-SUS notifica.
Vacinas não são experimentais
Alexandre Garcia diz que as vacinas contra covid-19 estavam em teste quando foram aplicadas na população. Alegações semelhantes que buscavam disseminar medo sobre os imunizantes foram frequentemente desmentidas ao longo da pandemia.
Em agosto de 2021, por exemplo, o Comprova mostrou que uma médica enganava ao dizer que vacinas contra covid eram experimentais. A matéria explica que todas as substâncias utilizadas no Brasil foram autorizadas pela Anvisa após terem eficácia e segurança comprovadas ao serem aplicadas em milhares de voluntários durante os testes.
As vacinas usadas para combater o coronavírus passaram por todas as etapas de testes necessárias.
O que diz o responsável pela publicação
Não foi possível conversar com o responsável pela publicação, porque o conteúdo alvo desta checagem foi postado no TikTok e Kwai por usuários que não permitem o envio de mensagem privada de quem eles não eram seguidores. A reportagem tentou contato, via Instagram, com Alexandre Garcia, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
O que podemos aprender com esta verificação
Uma das táticas dos desinformadores é se comunicar de forma alarmista para chamar a atenção de quem os vê. E é isso o que fazem os autores dos posts ao acrescentarem sobre o vídeo, que em si já era enganoso, a afirmação de que as vacinas foram proibidas. Eles sugerem que os imunizantes poderiam causar problemas de saúde ao disseminar o medo.
Ao se deparar com conteúdos assim, reflita. Órgãos de saúde do mundo todo recomendam os imunizantes; após o início da campanha, os casos de óbitos começaram a cair e foi graças à vacinação que a OMS pôde declarar o fim da emergência de saúde da pandemia. Considerando isso, fazem sentido conteúdos antivacina?
Também é importante buscar em sites da imprensa profissional reportagens sobre o assunto. Ao pesquisar, seria possível perceber se tratar de desinformação, já que o Ministério da Saúde defende a vacina, garantindo sua segurança e eficácia.
Por que investigamos
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.