Um homem de 61 anos, diagnosticado com câncer havia mais de uma década, teve remissão completa após ser submetido a um tratamento considerado inovador. Chamada de CAR-T Cell, a terapia combate a doença com as próprias células de defesa da pessoa modificadas em laboratório, e é utilizada para três tipos de tumores: leucemia linfoblástica B, linfoma não Hodgkin de células B e mieloma múltiplo, que atinge a medula óssea — esse último, contudo, ainda não está disponível no Brasil. As informações são do portal g1.
No caso do publicitário Paulo Peregrino, que já havia passado por procedimentos cirúrgicos e quimioterapia e estava prestes a receber cuidados paliativos em função de seu linfoma, a resposta positiva ao tratamento surgiu em apenas um mês. Ele é o caso mais recente de remissão completa em um curto período de tempo entre 14 pacientes do grupo de estudos do Centro de Terapia Celular, órgão ligado à Universidade de São Paulo (USP). Todos tiveram uma remissão de ao menos 60% dos tumores.
De acordo com o g1, o método foi adotado pela USP, em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto. O estudo utiliza verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A recuperação dos pacientes foi pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — Peregrino, por exemplo, ficou sob cuidados no Hospital das Clínicas da cidade de São Paulo e recebeu alta no último domingo (28).
— A vitória não é só minha. É da fé, da ciência e da energia positiva das pessoas. Cada uma delas ajudou a colocar um paralelepípedo nesse caminho — disse o paciente ao portal.
O professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da USP e coordenador nacional de terapia celular da rede D’Or Vanderson Rocha, que está à frente do caso de Peregrino, afirma que a resposta do paciente ao tratamento foi muito rápida, mesmo com uma grande quantidade de tumor.
A imagem feita antes do tratamento apresenta um paciente que tinha como única alternativa os cuidados paliativos, por não ter expectativa de cura, enquanto a outra, realizada após a terapia, mostra um organismo sem tumores.
Dos outros 13 pacientes que receberam o mesmo tratamento, 69% tiveram remissão completa em 30 dias. O primeiro a ser tratado com a terapia na rede pública de saúde do Brasil teve uma resposta parecida com a de Peregrino, mas morreu em casa, devido a um acidente doméstico.
Tratamento de alto custo
Ainda conforme o g1, o tratamento no Centro de Terapia Celular atualmente é realizado de forma compassiva, ou seja, o estudo aceita o paciente em estágio avançado da doença e os especialistas precisam da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aplicação da terapia. O método ainda é utilizado em poucos países.
No Brasil, a terapia hoje só é realizada pela rede privada, ao custo de pelo menos R$ 2 milhões por paciente. No segundo semestre, 75 pessoas devem ser tratadas com o CAR-T Cell a partir de verba pública, depois que a Anvisa autorizar o estudo clínico (saiba mais abaixo).
A família de Peregrino soube do CAR-T Cell após pesquisas na internet. Da mesma forma, chegaram ao médico Vanderson Rocha. Ao g1, o especialista contou que começou a acompanhar o paciente quando ele já havia feito grande parte do tratamento:
— A doença voltou, então, a última opção dele realmente era o CAR-T Cell. Tive que pedir autorização da Anvisa pra gente poder fazer esse tipo de tratamento. Muitos pacientes não têm essa oportunidade.
Peregrino teve febre no primeiro dia em que as células modificadas foram aplicadas em seu corpo e chegou a ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para ser monitorado. Mesmo com a remissão da doença entre março e abril deste ano, ele deixará a “festa da cura” para novembro. Por enquanto, ficará em São Paulo para acompanhamento.
Outro paciente do grupo de estudos do qual o publicitário participa é o educador físico Bruno Marques Giovanni, que enfrentou uma leucemia agressiva, que teimava em voltar, e há um ano e meio retornou a sua rotina, após sair do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Ele volta ao hospital a cada três meses para fazer exames, já que os pacientes oncológicos só podem ser considerados curados depois de cinco anos do desaparecimento dos tumores.
CAR-T Cell no SUS
Dimas Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular CEPID-USP e do Núcleo de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, que desenvolveu a versão brasileira dessa tecnologia, explica que, devido ao alto custo, a terapia não é acessível na maioria dos países. O Brasil, entretanto, se encontra em uma “posição privilegiada e tem a rara oportunidade de introduzir este tratamento no SUS em curto período de tempo”.
O especialista aponta que o custo de R$ 2 milhões por paciente está relacionado à complexidade da produção dessas células e não conta gastos como internação. A versão nacional da tecnologia foi desenvolvida pelo grupo de pesquisa do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto e o primeiro tratamento bem-sucedido foi feito em 2019. O Brasil é o único país de toda a América Latina que utiliza a técnica.
O grupo realizou uma parceria com o Instituto Butantan em 2021 e, a partir disso, foram instaladas duas fábricas no estado de São Paulo: uma na Cidade Universitária e outra no campus universitário de Ribeirão Preto, com a capacidade inicial de produção de 300 tratamentos por ano. De acordo com Covas, o estudo clínico custará R$ 60 milhões, mas economizará R$ 140 milhões em relação aos preços praticados pelas empresas privadas. A previsão é de que a pesquisa comece em agosto deste ano.
— Para disponibilizar para a população brasileira, é necessário obter financiamento para realizar o tratamento para 75 pacientes com linfoma e leucemia e gerar os dados clínicos que permitam o registro do produto na Anvisa. Recentemente, apresentamos o projeto ao Ministério da Saúde e a expectativa é de apoio e financiamento para avançar essa importante tecnologia no país, que poderá iniciar uma nova indústria de biotecnologia — disse o especialista ao g1.
Também ao g1, a Anvisa informou que está dando prioridade às análises do estudo, com o objetivo de dar um retorno rápido ao desenvolvedor e priorizar sua execução no Brasil.