A gastrosquise ganhou repercussão após a modelo gaúcha Cintia Dicker tratar da condição de saúde de Aurora, sua filha com o surfista Pedro Scooby. O tema, porém, é cercado de dúvidas. A condição é um defeito da parede abdominal anterior do feto, que resulta em uma espécie de orifício, por onde saem as vísceras abdominais, principalmente o intestino. Ela ocorre na região em torno do umbigo, geralmente à direita do cordão umbilical.
A malformação congênita pode levar à morte nos casos graves e quando não há atendimento especializado. Com acompanhamento médico em centros de referência, a criança pode levar uma vida “normal”, dizem especialistas.
A filha de Cintia e Scooby, que nasceu no dia 27 de dezembro, foi submetida a cirurgias e ficou internada por 16 dias. Outra celebridade a conviver com a gastrosquise foi a dançarina Scheila Carvalho, que perdeu um filho com dois meses de vida em 2008.
Segundo o manual Manejo Clínico da Gastrosquise, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a condição acomete, de forma igual, meninos e meninas, com incidência de três a quatro casos a cada 10 mil nascidos vivos.
O mesmo documento afirma que “parece haver maior risco de ocorrência associada ao uso de tabaco, maconha e cocaína na gestação”. Conforme Guilherme Eckert Peterson, cirurgião pediátrico do Hospital Moinhos de Vento, é preciso ter cautela com esse entendimento porque não há um consenso sobre a origem da malformação congênita.
— Antigamente, se tinha como fator causal o uso da cocaína, mas isso não é determinante. Não se pode dizer que a criança nasceu com gastrosquise porque a mãe teve contato com esse tipo de droga. São hipóteses que não têm como testar, não existe um modelo que reproduza isso com fidedignidade. A baixa idade materna é um dos principais fatores relacionados à gastrosquise — explica.
Segundo a Fiocruz, a condição pode ser classificada como simples (representa 83% dos casos) ou complexa (17% do total), que dependem de alterações intestinais associadas ao nascimento, como atresia (condição na qual um órgão é anormalmente fechado ou ausente), necrose ou perfuração.
As gastrosquises complexas têm pior prognóstico, em especial as que evoluem para a chamada síndrome do intestino curto, caracterizada pela deficiente absorção intestinal de nutrientes causada pela perda de parte do intestino delgado. Essa situação, entretanto, é rara: com acompanhamento especializado, é possível que o paciente tenha uma rotina normal, afirma o cirurgião pediátrico do Hospital Moinhos de Vento:
— Dá para contar nos dedos as vezes que perdemos um paciente (no Hospital Moinhos de Vento) por causa de gastrosquise. O acompanhamento médico será um pouco mais de perto, mais complexo que as consultas normais. É uma doença, mas se o paciente tem tratamento em centros adequados, ele vive bem com essa alteração.
Não foi divulgado se o caso de Aurora está classificado como simples ou complexo.
Centros de referência
A necessidade de encaminhar a mãe para centros de referência também é ressaltada por Luciano Ferraz Schopf, cirurgião pediátrico da equipe de Medicina Fetal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Ele explica que a gastrosquise pode ser detectada em uma ecografia a partir da vigésima semana de gestação. Com a descoberta, o ideal é que a mãe seja encaminhada para uma equipe multidisciplinar com experiência nesse tipo de atendimento.
— O pior cenário é quando ela não sabe quando é portadora de um feto com gastrosquise e recebe a notícia no parto. Isso é traumático: visualizar a criança, passar por uma cirurgia. Quando a mãe é atendida por uma equipe multidisciplinar, conseguimos explicar todo o processo — diz.
O médico acrescenta que não existe nenhum tipo de procedimento cirúrgico a ser feito antes do parto, com o bebê ainda na barriga da mãe. Após o nascimento, são duas possibilidades, que dependem do grau da dilatação do intestino do recém-nascido.
— A primeira é o que chamamos de uma cirurgia de um tempo, e é feita quando é possível colocar todo o intestino de volta dentro do abdômen da criança. A outra é deixar temporariamente o intestino envolvo em um silo - uma bolsa especial - até que ele diminua o inchaço, para que, com uma segunda cirurgia, seja possível colocá-lo dentro do abdômen do recém-nascido — comenta.
E esse é um trabalho que precisa ser conduzido em hospitais de referência, com profissionais dedicados à prática, adenda o cirurgião pediátrico. O procedimento envolve conhecimentos específicos sobre como manipular o intestino exposto do bebê, dar soro para a criança, que normalmente perde líquido no parto, e executar o procedimento cirúrgico no intestino, ação que deve ser feita nas primeiras horas após o nascimento.
— (A gastrosquise) não é uma patologia muito complexa para um centro de referência, onde há um protocolo de atendimento e onde é habituado tratá-la. Fora de um centro, em um hospital geral, a chance de sobrevida da criança reduz bastante — pontua Schopf.