Um levantamento feito pela Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) afirma que o piso nacional da enfermagem aumentará em R$ 6,3 bilhões por ano os custos dessas instituições no país. No Rio Grande do Sul, o impacto será de R$ 724 milhões, o que elevaria em 42% o gasto anual dos hospitais, conforme o mesmo estudo.
A lei do piso da categoria foi sancionada no início deste mês pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Assim, foi fixada a remuneração mínima de R$ 4.750 para os enfermeiros. A lei também estabelece que técnicos em enfermagem devem receber 70% desse valor, e auxiliares de enfermagem e parteiros, 50%. No Brasil há 1.824 hospitais filantrópicos e Santas Casas; 247 são do Rio Grande do Sul, onde administram 26 mil dos 30 mil leitos e são responsáveis por 73% das internações.
De acordo com Luciney Bohrer, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado, as entidades de saúde recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade da determinação, que, segundo ele, não indica fontes de financiamento para os novos custos.
— Acordamos com o Congresso Nacional que (a lei) só iria à votação se estivesse apontado de onde sairia esse recurso para o pagamento. Isso não foi respeitado e não há dinheiro para pagar essa conta. Os hospitais já vinham com dificuldades financeiras grandes e, agora, com o impacto do piso da enfermagem, piorou a situação — afirma o presidente da entidade.
Ele explica que os hospitais já tinham acertado um aumento salarial com a categoria, e que qualquer acréscimo a esses valores causaria "grandes dificuldades" para as instituições. Outro problema apontado por Bohrer é que os hospitais registraram aumento dos custos durante a pandemia de covid-19, mas sem a reposição da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), o que tem piorado a questão financeira do setor nos últimos anos.
Segundo a entidade gaúcha, os 247 hospitais do tipo no Estado têm dívidas que alcançam R$ 1,4 bilhão. A entidade não fala, neste momento, em eventuais fechamentos de hospitais devido às dificuldades financeiras, mas já trabalha com a possibilidade de ocorrer redução de atendimentos. Segundo Bohrer, hoje, os hospitais buscam recursos com o poder público para arcar com a diferença salarial e avaliam áreas nas quais é possível haver cortes.
— Além de não ter condição de honrar com o piso, estamos caminhando para uma desassistência. Com certeza teremos redução de serviços. Não estamos falando ainda em demissões porque os hospitais estão tentando achar uma alternativa, mas os que vão reduzir atendimentos certamente terão demissões — pontua.
Pedido ao STF
A CMB e outras entidades nacionais do setor da saúde propuseram, perante o STF, uma ação direta com o pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei que criou piso salarial mínimo nacional para a enfermagem. As organizações dizem aguardar um pronunciamento da Justiça enquanto seguem em tratativas com o Poder Executivo e Legislativo para encontrar fontes de financiamento para que a "lei possa entrar em vigor de maneira sustentável”. Não há previsão para que a ação seja julgada pelo tribunal.
O que diz o sindicato
De acordo com Claudia Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), a criação do piso salarial da categoria "não é uma novidade para ninguém":
— É uma discussão que existe desde 1955 e há quatro anos estamos discutindo a melhor maneira de fazer a aplicação do piso, que era bem mais alto. Fizemos uma comissão que discutiu o impacto, de onde viriam as receitas e ficou comprovado que o impacto não é o que está sendo dito — afirma.
Segundo ela, o piso nacional da categoria custará 2,2% para o orçamento do SUS e 4,7% para o setor privado. Desse modo, a presidente do sindicato entende que os responsáveis pelos hospitais têm de "repensar" o modo de conduzir o setor e valorizar os profissionais.
— Na realidade, os gestores perceberam que é preciso ter um projeto para trabalhar na saúde, e não apenas (buscar) lucros. As empresas têm de ter um plano de cargos e salários, porque, se tivessem, hoje eles não estariam passando por dificuldades — diz.
Claudia Franco comenta que o sindicato não tem conhecimento se profissionais do Estado foram demitidos devido à vigência da nova lei, mas assegura que existe a "ameaça" de dispensas na categoria. Ela diz esperar as demissões devido ao aumento salarial. Para a presidente do Sergs, a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado descumprirá a legislação caso não pague os salários integrais aos trabalhadores.
— Os gestores (privados e filantrópicos) optaram por estar contra a lei,então vão ficar inadimplentes e gerar um passivo trabalhista — finaliza.