Um estudo publicado na New England Journal of Medicine informa que 95% dos casos estudados da varíola dos macacos foram transmitidos durante relações sexuais. O trabalho foi feito por cientistas da Universidade Queen Mary, de Londres, e analisou 528 infecções em 16 países, entre abril e junho.
No momento, especialistas da área da saúde entendem que a principal forma de transmissão da doença ocorre por meio do contato direto com lesões ou saliva de pessoas infectadas, e não pela penetração sexual, explica Paulo Ernesto Gewehr, infectologista do Hospital Moinhos de Vento.
— A relação sexual envolve o contato físico direto e continuado, no qual pode acontecer a transmissão, não necessariamente pela via sexual, na parte genital. O momento (da relação sexual) é que é propício porque há o contato entre as superfícies dos indivíduos. Ainda não temos documentado (o contágio) por parte de transmissão sexual, por sêmen ou secreção vaginal — diz.
Desse modo, por não ser considerada sexualmente transmissível, usar preservativo não protege a pessoa do contágio. Assim, para evitar a transmissão, os cuidados são os já conhecidos para combater a covid-19: uso de máscara facial, higiene constante das mãos e distância de quem esteja com sintomas. O contágio pode ocorrer no contato próximo com lesões de um infectado, fluidos corporais, gotículas respiratórias e superfícies contaminadas, como roupas.
Endêmica na África, a varíola dos macacos se espalhou, a partir de maio deste ano, por 78 países e contabiliza mais de 18 mil registros no mundo. No Brasil, são 978 casos confirmados: quatro deles no Rio Grande do Sul. Até agora, cinco pessoas da África morreram devido à doença e 10% dos casos exigiram internação hospitalar.
O crescimento do número de diagnósticos fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a doença emergência de saúde global no último sábado (23). Além da questão sanitária, outro aspecto preocupa autoridades e especialistas: o preconceito contra o grupo que se enquadra no perfil da maioria dos infectados pela varíola dos macacos neste momento.
No mesmo estudo publicado na New England Journal of Medicine, os cientistas descobriram que 98% dos pacientes eram homens gays ou bissexuais, 75% eram brancos, 41% tinham HIV e média de idade de 38 anos. O levantamento indica que eles tiveram uma média de cinco parceiros sexuais nos três meses anteriores à infecção. Conforme os autores, as manifestações da varíola dos macacos são similares às de infecções sexualmente transmissíveis. Essas características fazem com que os Estados Unidos estudem incluir a varíola dos macacos na lista de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).
No Reino Unido, a vacinação para conter a varíola dos macacos está disponível para três grupos: trabalhadores da área de saúde, indivíduos que tiveram contato próximo com alguém diagnosticado com a doença e, por último, homens gays, bissexuais ou que fazem sexo com outros homens.
De acordo com o infectologista do Moinhos de Vento, homens gays e bissexuais constituem um grupo de maior risco de contaminação, mas diz que as condições que levam a isso ainda são desconhecidas no momento.
— Não podemos deixar que preconceitos antigos retornem com essa doença. O principal fator de risco é o contato de superfícies contaminadas e com secreções de um indivíduo contaminado. Nesse sentido, todos estão sob risco — afirma.
Para Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a incidência do grupo observada no estudo do Reino Unido está relacionada a questões de comportamento.
— Isso se deve ao fato de que, geralmente, os homens que fazem sexo com homens têm maior rotatividade de parceiros. Neste momento, esse grupo foi o mais acometido, mas isso vai cair por terra porque não é uma doença exclusiva dele — afirma.
A OMS pediu, nesta quarta-feira (27), aos homens homossexuais a redução do número de parceiros sexuais, diante do avanço do surto da varíola dos macacos. Segundo a organização, a melhor maneira de proteção "é reduzir o risco de se expor" à doença, explicou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em entrevista coletiva em Genebra.
Nesse contexto, para a especialista da Asbai, o aumento de casos observado nos últimos dias não deve ser atribuído a esses grupos, e sim uma caraterística do momento da doença.
— É preconceito dizer que quem tem varíola dos macacos é apenas o homossexual ou o bissexual. É igual à situação da covid-19, que inicialmente atingiu um país (a China). Mas ela não é uma doença específica dos chineses, e sim um vírus que pode atingir qualquer um — diz.
Outro estudo sobre o assunto, da OMS, indica o perfil dos infectados: homens, com média de idade de 37 anos, que dizem ser gays, bissexuais ou que afirmam terem mantido relações sexuais com outros homens.
De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids, o estigma e a discriminação limitam as respostas às epidemias e fazem com que pessoas com sintomas característicos da doença prefiram a clandestinidade e deixem, assim, de proteger a própria saúde e a de pessoas próximas. "Baseando-se nas difíceis lições e aprendizagens da resposta à epidemia de Aids, ações eficazes de saúde pública devem ser orientadas pelos princípios de solidariedade, igualdade, não discriminação e inclusão", disse a Unaids no Brasil por meio de nota.
Em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha, Salmo Raskin, médico, doutor em genética e especialista em genética molecular, alerta para o fato de que a doença não é "exclusiva" do grupo:
— Aprendemos lições amargas com o HIV e a Aids, quando subgrupos foram estigmatizados e o controle da infecção se tornou mais difícil, porque ninguém queria admitir que era HIV positivo ou estava com Aids. Isso é tudo o que não pode acontecer. Esse subgrupo tem de ser tratado de forma adequada, sem medo e sem discriminá-lo — explica.
O que é a varíola dos macacos
A varíola dos macacos é uma zoonose (vírus transmitido aos seres humanos a partir de animais). O período de incubação da doença é de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias, segundo a OMS. O contágio pode ocorrer no contato próximo com lesões de um infectado, fluidos corporais, gotículas respiratórias e superfícies contaminadas. Febre, dor de cabeça, dores musculares, dores nas costas, calafrios e exaustão são alguns dos sintomas da varíola dos macacos.
O primeiro caso humano foi identificado no Congo em 1970. Conforme a OMS, hoje a maioria dos animais suscetíveis a este tipo de varíola são roedores, como ratos e cão-da-pradaria. Monkeypox faz referência aos ao fato de a descoberta do vírus ter sido feita em um macaco de laboratório na Dinamarca em 1958.