A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu no sábado (23) que o surto de varíola dos macacos (monkeypox) configura uma emergência global de saúde. De acordo com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já foram identificados mais de 16 mil casos da doença em 75 países, com registro de pelo menos cinco mortes.
Uma emergência de saúde pública de importância internacional (Pheic, em inglês), conforme a OMS, é um "evento extraordinário" que apresenta risco por meio da propagação global e requer resposta coordenada. A declaração de emergência serve, principalmente, como um apelo para atrair mais recursos e atenção para o surto.
Especialistas explicam que o alerta chama atenção para a necessidade de bloquear a transmissão da doença, mas que cada país deve agir conforme o cenário local. No Brasil, o Ministério da Saúde articula compra de vacinas e o Estado de São Paulo pensa até em produzi-las.
O diretor-geral da OMS dividiu os países em quatro grupos e expediu recomendações temporárias específicas para cada um deles. A divisão proposta foi a seguinte:
- Países sem histórico da doença ou que não detectaram um caso por mais de 21 dias;
- Estados-membro com casos recentemente importados;
- Nações com transmissão zoonótica (entre animais e humanos) conhecida ou suspeita de varíola dos macacos;
- Países com capacidade de fabricação de vacinas e diagnóstico.
Embora a organização não tenha listado quais países estão em cada grupo, é possível deduzir que a maioria deles, incluindo o Brasil, está no segundo. Para esses, as entidades sanitárias fizeram as seguintes recomendações:
- Implementar ações de resposta com o objetivo de interromper a transmissão entre humanos;
- Relatar à OMS casos prováveis e confirmados;
- Isolar os casos durante o período infeccioso;
- Rastrear contatos de infectados;
- Considerar o uso direcionado de vacinas para profilaxia pré-exposição em pessoas em risco de exposição (que podem ser desde profissionais de saúde até comunidades com alto risco de exposição).
O que dizem os especialistas sobre o alerta
Para Marcelo Otsuka, infectologista e vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), as implicações do alerta da OMS para cada país vão depender da capacidade de resposta e situação de cada nação em relação à introdução da varíola dos macacos. Otsuka também acredita que essas recomendações poderiam ser adotadas mesmo antes da declaração da OMS.
— Não podemos permitir não haver uma fiscalização, uma vigilância para detecção e acompanhamento adequado dos casos. Se tivéssemos feito isso com o coronavírus, talvez tivéssemos tido uma redução muito mais drástica do número de casos e não como foi de uma maneira geral — avalia.
O infectologista Fábio Araújo, que atende no Instituto Emílio Ribas e no Centro de Referência e Treinamento para DST/Aids de Santa Cruz, na Vila Mariana, em São Paulo, explicou que, na prática, o alerta fará com que autoridades sanitárias nacionais e internacionais tomem algumas atitudes:
— Agora, essas pessoas vão ter que tomar essa decisão se vai ter vacina e onde nós vamos buscar a vacina. Além disso, trabalhar com mais afinco no fornecimento de informação à população, bem como o estabelecimento de uma rede nacional para testagem e diagnóstico.
Situação do Brasil
Para Fábio Araújo, o alerta da autoridade internacional ocorre em um momento de "crescimento exponencial" da doença no Brasil.
— Existe uma demanda absurda de pacientes. Eles estão comparecendo em peso e aparecendo de maneira super desorientada — diz.
De acordo com dados divulgados na sexta-feira (22) pelo Ministério da Saúde, o país registrou 696 casos e investiga outros 336 suspeitos.
Marcelo Otsuka lembra que o Brasil já tem casos autóctones.
— Já existe a circulação do vírus — complementa.
Otsuka acredita que a primeira estratégia que deve ser adotada é a divulgação dos protocolos de investigação:
— Esses cuidados de triagem, de rastreio, de análise epidemiológica são o primeiro ponto.
O Ministério da Saúde destacou, em comunicado, que o país está preparado para enfrentar a varíola dos macacos e que articula, com a OMS, a compra de vacinas para combater a doença. "De forma que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) possa definir a estratégia de imunização para o Brasil", informou em comunicado.
Em nota, o governo de São Paulo destacou que avalia a possibilidade da compra e produção de vacinas para controlar a disseminação da varíola causada pelo vírus monkeypox. Além disso, relatou que o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) tem alinhado as diretrizes técnicas com toda a rede de saúde e informado a população quanto ao cenário epidemiológico e as medidas de prevenção e controle da doença.
Trata-se de uma nova pandemia?
Na visão de Otsuka e Araújo, por definição, o surto atual já poderia ser considerado uma pandemia.
— Uma pandemia se caracteriza pela expansão mundial de uma doença. Isso não significa, porém, que a resposta seja na mesma intensidade do que a dada à de covid-19 — enfatiza Araújo.
Para Otsuka, a diferença entre a covid-19 para a varíola dos macacos é que a segunda, a princípio, é menos letal.
O sanitarista Gonzalo Vecina discorda. Ele acredita que o surto só deve ser visto como pandemia se houver transmissão local "forte". O médico ainda destaca que, ao contrário da covid-19, a doença, por ora, tem taxas de infectividade e mortalidade baixas. O que preocupa, pondera, é o longo período de latência:
— Você pode conviver com ela até 40 dias e durante 40 dias é infectante.
Devido à quantidade de tempo que o vírus da varíola dos macacos pode permanecer latente no organismo, Vecina teme que o microrganismo encontre um hospedeiro animal, ou seja, que a doença se torne uma zoonose.
— Se ele (vírus) encontra outro animal que seja hospedeiro dele, fora da África, você estabelece um novo ciclo — explica.
Primeiro caso
O primeiro caso europeu foi confirmado em 7 de maio em um indivíduo que retornou à Inglaterra da Nigéria, onde a varíola dos macacos é endêmica. Desde então, países da Europa, assim como Estados Unidos, Canadá e Austrália, confirmaram casos.
Transmissão
Identificada pela primeira vez em macacos, a doença viral geralmente se espalha por contato próximo e ocorre principalmente na África Ocidental e Central. Raramente se espalha para outros lugares, então essa nova onda de casos fora do continente causa preocupação.
Existem duas cepas principais: a cepa do Congo, que é mais grave, com até 10% de mortalidade, e a cepa da África Ocidental, que tem uma taxa de mortalidade de cerca de 1%.
O vírus pode ser transmitido por meio do contato com lesões na pele e gotículas de uma pessoa contaminada, bem como por objetos compartilhados, como roupas de cama e toalhas. O período de incubação da varíola dos macacos é geralmente de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias.
Sintomas
Muitos casos são assintomáticos. Os sintomas se assemelham, em menor grau, aos observados no passado em indivíduos com varíola:
- Febre,
- Dor de cabeça,
- Dores musculares e nas costas durante os primeiros cinco dias,
- Erupções cutâneas (na face, palmas das mãos, solas dos pés),
- Lesões, pústulas e, ao final, crostas.
Prevenção
De acordo com o Instituto Butantan, entre as medidas de proteção, autoridades orientam que viajantes e residentes de países endêmicos evitem o contato com animais doentes (vivos ou mortos) que possam abrigar o vírus da varíola dos macacos (roedores, marsupiais e primatas) e devem se abster de comer ou manusear caça selvagem.
Higienizar as mãos com água e sabão ou álcool gel são importantes ferramentas para evitar a exposição ao vírus, além do contato com pessoas infectadas.