"Como estou há 10 dias apenas amamentando e cuidando do bebê, com privação de sono, dando tudo que eu tenho de melhor, e não está sendo suficiente?" Esse foi um dos pensamentos que assombraram Débora Queiroz Nunes quando a pediatra lhe disse, na primeira consulta pós-parto, que o filho, Caetano, precisava ganhar um pouco mais de peso. Na época, o misto de amor, insegurança e cansaço que a mãe de primeira viagem experienciava se somou a um sentimento de derrota — especialmente porque havia passado os últimos dias amamentando o recém-nascido em livre demanda, bem como recomendam os especialistas.
A saúde do bebê não estava comprometida, mas a turbulência do puerpério fez com que a indicação da médica atingisse Débora de uma forma muito pesada:
— Quando a médica falou, eu me senti muito mal, me senti incapaz de cuidar dele. Como podia ele não estar ganhando peso suficiente se amamentava o dia inteiro? Será que era o meu leite? Mas, ao mesmo tempo, eu desconfiava que tinha algo a ver com a pega (forma que o bebê encaixa a boca no seio para mamar).
Servidora pública e psicóloga, hoje com 40 anos, Débora conta que pesquisou bastante sobre o parto — pois era o momento que lhe gerava mais expectativas e receios — e que buscou o acompanhamento de uma doula, que esteve ao seu lado e do marido, Vinicius da Rosa Corrêa, no final da gestação. Mas não se preocupou tanto com o aleitamento, mesmo tendo vontade de amamentar, porque acreditava que era algo natural, que fluiria tranquilamente.
Só que quando Caetano nasceu, em março de 2019, as dúvidas começaram a surgir. Isso porque o bebê sugava apenas o mamilo, invés de abocanhar toda a aréola, que é a forma correta da pegada para não causar lesões na mãe.
— Começou a me machucar, a doer, incomodar. E no segundo dia pós-parto ele já estava com fome e chorava, porque não conseguíamos nos acertar. Quando pegava, sugava só um pouco, e eu ficava desesperada e chamava as enfermeiras. Poderia ter ido para casa um dia depois do parto, mas pedi para ficar mais, porque queria esse apoio das técnicas — relata.
Então, quando a pediatra comentou sobre o peso do filho, Débora também buscou ajuda especializada. Acionou sua doula e, em seguida, encontrou uma consultora de amamentação, que a ensinou técnicas para solucionar o problema: por ter a pega incorreta, Caetano cansava ao mamar e acabava dormindo muito rápido, o que fazia com que se alimentasse pouco. Por isso, foi preciso estimulá-lo a mamar por mais tempo, não permitindo que dormisse nos primeiros minutos da mamada, e ensiná-lo a forma certa de pegar o peito.
De acordo com a mãe, o apoio foi fundamental e resolveu efetivamente o problema. Hoje, Caetano tem três anos e quatro meses e está passando por um processo de desmame gentil — em que a criança vai deixando de mamar no seu tempo, sem que haja uma interrupção forçada da oferta do leite materno.
— Acho que, às vezes, a gente sofre muito por não buscar um apoio, que é algo que está à disposição e é tão simples. Quando se trata de questões da maternagem, que é uma experiência singular, única com muitas transformações psicológicas e maternas, é claro que surgem dúvidas. Então, ter pessoas em quem confiar é fundamental, acho que todas as mães deveriam ter esse apoio — destaca Débora.
Dificuldades são comuns no pós-parto, afirma especialista
O desafio enfrentado por Débora Queiroz Nunes é um dos mais comuns no início da rotina materna, segundo a enfermeira neonatal do Hospital Conceição e consultora de amamentação Michele da Rosa Ferreira. Isso ocorre porque costuma ser um momento de aprendizado para ambos: o recém-nascido precisa aprender a sugar o peito, e a mãe, a colocá-lo na melhor posição e a ajudá-lo a pegar o peito da forma correta.
A especialista explica que o ideal é estimular a amamentação ainda na sala de parto, deixando a criança em contato pele a pele com a mãe, logo após o nascimento, pois é quando há grande liberação de ocitocina, hormônio importante para o aleitamento materno. Nos três primeiros dias, a mulher já produz leite, mas o pico da produção e da descida geralmente ocorre a partir disso e, em muitos casos, a mãe já está em casa nesse período — onde começa a maior parte das dificuldades e dúvidas relacionadas à amamentação.
— Às vezes, nesse momento de descida do leite, que é chamada de apojadura, ocorre o empedramento. Porque as mamas ficam muito cheias, e o bebê não consegue sugar um volume suficiente, porque a mãe está produzindo muito além da necessidade do filho. Isso é uma coisa bem comum e pode levar à mastite, se não tiver uma orientação para extrair esse leite em excesso — aponta Michele.
A mãe precisa que essa rede de apoio cuide dela para que ela possa cuidar do bebê"
MICHELE DA ROSA FERREIRA
Enfermeira e consultora de amamentação
Além disso, o bebê pode abrir pouco a boca para mamar e pegar apenas o mamilo, o que pode causar rachaduras, sangramentos, dores e lesões. O posicionamento da criança e o cansaço da mãe também podem ser dificultadores para a amamentação.
Mariana González de Oliveira, médica do Serviço de Neonatologia do Hospital Moinhos de Vento e professora de Pediatria da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), acrescenta que a pega da criança deve ser avaliada por um profissional, desde o início da mamada. Fatores como posicionamento da mãe e do bebê, posição do mamilo na boca e a capacidade de sucção do recém-nascido precisam ser observados na avaliação.
Há ainda, conforme a pediatra, outras questões que podem impactar na amamentação, como: o nascimento prematuro, quando o recém-nascido pode não estar sugando efetivamente ou ainda não coordenar adequadamente respiração, sucção e deglutição; o diagnóstico de hipotireoidismo, que pode causar hipoatividade e dificultar a amamentação; e situações anatômicas que envolvem o freio da língua curto ou a conformação do palato.
— O freio da língua muito curto pode atrapalhar, pois o posicionamento e a movimentação da língua são essenciais para o processo de amamentação. Mas nem todos os freios definidos como "curtos" atrapalham. Por isso, é importante a indicação correta do procedimento cirúrgico quando for necessário, assim como realizar o seguimento a longo prazo do pós-operatório, para avaliar se realmente houve aumento das taxas de amamentação — observa Mariana, destacando que, no Brasil, há poucos estudos sobre o assunto, com número reduzido de pacientes e com prevalência bem mais baixa do que a descrita na literatura internacional.
Esse tipo de problema também deve ser investigado por profissionais, levando em conta os outros fatores que podem influenciar, bem como o peso do bebê e o número de vezes que há urina nas fraldas. Caso seja constatado que o freio lingual está prejudicando a amamentação, o paciente deve ser avaliado por um cirurgião pediátrico, que poderá indicar ou não a realização do procedimento, afirma a professora.
Preparo desde a gestação
Como forma de prevenir problemas, Michele salienta a importância de buscar informações e encontrar auxílio em caso de dificuldades já na gestação, porque, quanto mais apropriada do assunto a mulher estiver, mais segura estará quando for amamentar:
— Assim, no momento em que aparecer uma dificuldade no pós-parto, de imediato ela já a identifica e busca auxílio com uma consultora de amamentação, em um posto de saúde ou em um banco de leite, que também dão orientações nesse tipo de caso.
No entanto, não há muitas indicações sobre como preparar a mama para o aleitamento durante a gravidez, já que os próprios hormônios femininos se encarregam dessa missão. A única orientação citada pela consultora é deixar os peitos expostos ao sol por cerca de 15 minutos — o que deve ser feito nos horários em que o sol não está tão forte, a fim de deixar a pele da região mais forte.
Michele também sinaliza que, antigamente, se falava em passar buchas e toalhas nos seios para auxiliar na amamentação, mas que hoje a recomendação é considerada antiquada e sem comprovação de efeitos positivos. Ela aproveita ainda para ressaltar que o silicone não interfere no aleitamento materno, porém, no caso da redução de mama, dependendo da técnica utilizada durante a cirurgia, pode haver alguma interferência nos ductos, impactando na saída do leite.
Livre demanda e rede de apoio
As especialistas apontam que o ideal é que a amamentação seja feita em livre demanda — sempre que o bebê pedir. Michele sinaliza que é comum um recém-nascido mamar a cada duas ou três horas, mas alerta que o choro nem sempre significa fome. E há outros sinais indicativos de fome, como procurar a mão para sugar, virar o rosto à procura do peito e ficar com a boca aberta.
Também é fundamental contar com uma rede de apoio. Quem ficar ao lado da mãe no período também deve buscar se informar sobre a amamentação, para que possa apoiar e incentivar a mulher.
— Ela precisa que essa rede de apoio cuide dela para que ela possa cuidar do bebê. Ela precisa de alguém que lembre que ela tem de se alimentar, beber água, tomar banho, dormir. A rede de apoio entra como uma facilitadora da amamentação quando cuida da mãe e acredita que ela vai conseguir dar mama. Além disso, é importante saber que há como buscar auxílio em caso de dificuldades — finaliza Michele.
Onde e como buscar ajuda
As especialistas destacam que os bancos de leite humano têm um papel de apoiar a amamentação, tirando dúvidas, orientando e recebendo doações, por isso, podem ser acionados quando necessário. Confira três locais em Porto Alegre que são abertos para qualquer mulher que esteja amamentando e precisa de ajuda neste processo ou deseja doar seu excedente de leite.
Banco de Leite Humano da Santa Casa
- Localização: primeiro andar do Hospital Santa Clara, junto à Maternidade Mário Totta _ Rua Professor Annes Dias, 295, bairro Centro Histórico
- Funcionamento: diariamente, das 7h ao meio-dia e das 13h às 18h30min, inclusive nos sábados, domingos e feriados
- Contato: (51) 3214-8284
Banco de Leite Humano do Grupo Hospitalar Conceição (GHC)
- Localização: Hospital Fêmina - Rua Mostardeiro, 17, bairro Rio Branco
- Funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 7h15min às 12h30min, das 13h15min às 18h30min e das 19h15min às 23h. Sábados, domingos e feriados, das 9h ao meio-dia e das 13h30min às 16h30min
- Contato: (51) 3314-5362 e (51) 3314-5353
Banco de Leite Humano do Hospital de Clínicas
- Localização: 11º andar do HCPA - Rua Ramiro Barcelos, 2.350, bairro Santa Cecília
- Funcionamento: diariamente, das 7h às 22h30min, inclusive finais de semana e feriados
- Contato: (51) 3359-8161 e (51) 99992-7038