Por Pedro Isaacsson Velho
Médico oncologista, chefe do Instituto de Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento
Durante dois anos, tive a experiência de viver em Baltimore, nos Estados Unidos. A cidade, com cerca de 600 mil habitantes, destaca-se mundialmente por uma característica: a saúde. Sede da Universidade Johns Hopkins, possui uma das redes mais avançadas em assistência, formação de profissionais e pesquisa, liderada pela Faculdade de Medicina da instituição. Milhares de pacientes, profissionais e estudantes vão para lá em busca de tratamento ou aperfeiçoamento. Não à toa, estruturas de transporte, hotelaria e turismo estão conectadas a essa operação, tornando todos os serviços mais eficientes.
Uma realidade que em breve poderá ser também, de Porto Alegre. Nossa cidade é uma referência em saúde, contando com instituições e profissionais que poucos lugares possuem. São hospitais, universidades e centros especializados com qualidade reconhecida no Brasil e no mundo. Estamos numa localização privilegiada no Mercosul, mas podemos nos conectar mais. Temos uma estrutura pronta que, se estivesse em rede, nos permitiria fazer mais e melhor.
São muitos os bons exemplos de nossa Capital: contamos com algumas das melhores universidades federais do país, segundo o Ministério da Educação. Quando mais precisamos, em 2020, Porto Alegre ergueu em apenas um mês o Centro de Tratamento da covid-19, um hospital 100% dedicado aos pacientes com a doença, numa ação conjunta da iniciativa privada com o poder público. Instituições como Hospital de Clínicas, Santa Casa e Grupo Hospitalar Conceição estão expandindo suas atividades com novos espaços físicos. No Moinhos de Vento, onde atuo, há o investimento expressivo em assistência, educação e pesquisa, além da afiliação de quase 10 anos à Johns Hopkins.
Agora, imagine tudo isso conectado, numa rede integrada com a infraestrutura da cidade, envolvendo todos os serviços públicos e privados. Um hub que nos colocaria em posição de destaque mundial, com atendimento de excelência, formação de profissionais e liderança em pesquisa. Não apenas a saúde seria beneficiada, mas diversos setores da economia: turismo, alimentação, serviços etc.
Nossa Capital respira saúde, assim como Baltimore. E, além da assistência, podemos ser referência em outro segmento: a pesquisa científica, com estudo e geração de novas medicações e tecnologias. Para isso, é preciso que todos nós estejamos engajados numa construção coletiva, com ações estruturadas e integradas que envolvam sociedade, instituições e governos.
Trata-se de um mercado que movimenta mais de US$ 200 bilhões anualmente – e que teve grande impulso com a pandemia. Em tempo recorde, desenvolvemos vacinas que permitiram salvar milhões de vidas e retomar uma normalidade próxima da que tínhamos. O Brasil, no entanto, precisa superar muitos obstáculos para ampliar sua participação em pesquisas. Hoje, a média para aprovação regulatória de um estudo clínico é de 215 dias. Existem pesquisas que há mais de 400 dias aguardam deliberação. Nos Estados Unidos, essa avaliação demora pouco mais de um mês. O Marco Regulatório da Pesquisa Clínica (PL 7082/2017), projeto de lei que determina as normas para condução de estudos envolvendo seres humanos, tem como objetivo desburocratizar esse processo. A matéria está em votação no Congresso Nacional e sua aprovação irá salvar muitas vidas, uma vez que dará aos pacientes acesso a terapias de ponta.
Elevar o Brasil ao 10º lugar (atualmente em 20º) em participação na pesquisa clínica mundial – o que é totalmente factível – traria mais de R$ 2 bilhões em investimentos diretos por ano, o envolvimento de mais 48 mil profissionais de saúde e, ainda, beneficiaria mais de 55 mil pacientes. No quadro atual, muitos estudos sequer chegam aqui pelos empecilhos e vários cientistas brasileiros têm que escolher trabalhar no Exterior.
Nossa Capital tem força para liderar esse debate no país. Somente no Instituto de Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento, inaugurado em 2021, conduzimos aproximadamente 200 estudos no momento. Contabilizamos investimentos na ordem de R$ 13 milhões, com destaque para oncologia, covid-19, cardiologia, gastroenterologia, reumatologia e neurologia.
Para além da dupla Gre-Nal, do pôr do sol e da Redenção, a capital gaúcha pode ser reconhecida em todo o mundo como uma cidade dedicada à saúde. Um lugar onde assistência e pesquisa atuam em rede, recebendo pessoas de todas as origens, oferecendo um atendimento de alta qualidade e sendo parte do desenvolvimento de terapias que quebrarão paradigmas, mundialmente. Porto Alegre pode ser Baltimore. Depende de todos nós darmos o primeiro passo para chegar lá.