Um fígado debilitado e agredido por uso de uma série de medicamentos pode ser a explicação para o óbito da jovem vocalista do grupo de forró Calcinha Preta. Paulinha Abelha tinha 43 anos e ainda não há certeza sobre o que provocou sua morte. A biópsia feita no órgão da cantora, no entanto, traz alguns indícios.
O laudo apontou uma necrose no fígado que poderia corresponder a uma "injúria hepática induzida por medicamentos". Outro documento, um painel toxicológico, encontrou 16 substâncias no corpo de Paulinha, como anfetaminas e barbitúricos, ambos de uso controlado. O primeiro, normalmente usado no tratamento do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), mas que tem como efeitos adversos a redução de apetite, perda de peso, náuseas e vômito. Já o segundo, geralmente é aplicado como sedativo, inclusive em ambiente hospitalar, para evitar convulsões.
O uso excessivo ou prolongado de tais medicações, assim como de analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, pode lesionar o fígado, causando um processo inflamatório, chamado de hepatite medicamentosa. Conforme Mario Reis, professor de hepatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a toxidade dos medicamentos pede alerta.
A hepatite medicamentosa é quadro que pode ser comum, mas a gravidade varia muito, indo desde casos mais brandos, quando apenas a interrupção do tratamento é suficiente para travar a infecção, até os casos de hepatite fulminante, que caracteriza-se por uma intoxicação mais crítica, o que pode levar a morte.
O gastroenterologista destaca ainda que a causa da inflamação não se deve somente a fármacos, mas inclui também o uso indiscriminado de substâncias naturais, como pode ter sido o caso da cantora.
Uma receita da nutróloga de Paulinha listava indicação de uso de antidepressivo, redutor de apetite, suplemento alimentar, regulador do sono, estimulante, calmantes naturais, cápsula para memória e concentração e uma fórmula de emagrecimento que tem, entre seus componentes, a erva Garcinia Gambogia, que tem potencial para intoxicar o fígado e pode levar a uma hepatite fulminante.
— Nem tudo que é natural faz bem. As fórmulas são complexas e potencialmente perigosas, até porque são um composto de coisas não bem conhecidas, e as doses não costumam ser determinadas — alerta Reis.
Sinais e sintomas
A hepatite medicamentosa pode ser assintomática – o que é mais comum –, mas também dar sinais como: o branco do olho amarelo, coceira, urina mais escura, em tom amarronzado, e fezes mais claras.
O médico Antonio Carlos Weston, cirurgião do aparelho digestivo e chefe do serviço de cirurgia da Santa Casa, destaca que o processo inflamatório do fígado ainda pode provocar uma dor situada no lado direito do abdômen. Além disso, outros sintomas referentes ao aparelho digestivo também podem ser percebidos, como: náusea, vômito e mal-estar generalizado. De acordo com a irmã da cantora, Paulinha havia sinalizado que estava com náusea e vômito antes de ser hospitalizada.
Weston afirma que não existem fatores de risco para o quadro, mas algumas pessoas possuem hipersensibilidade às medicações.
– Quando o paciente têm uma baixa produção de determinadas enzimas produzidas pelo fígado, o que faz com que elas tenham uma capacidade menor de metabolizar essas medicações – explica.
Tratamento
Ao ser detectado um caso de hepatite medicamentosa, o primeiro passo, de acordo com os especialistas, é cessar o uso da medicação que o paciente está usado.
— O quadro de hepatite não demora para aparecer, aparece durante o uso da medicação. Quando se para com o uso, portanto, cessa a causa, cessa o efeito e melhora — destaca Weston.
Segundo o especialista, em alguns casos é necessário o uso de corticoides, que têm efeito anti-inflamatório. Dieta leve, evitando gorduras, para não sobrecarregar o fígado, e tomar bastante líquido para aumentar a excreção do medicamento também podem ser aliados de um tratamento contra o quadro.
Em casos mais graves, quando se trata de uma hepatite fulminante, o transplante pode ser necessário.
— A hepatite é uma das principais causas de transplante de emergência no Brasil. Isso não é algo que a gente possa negligenciar de maneira alguma. As pessoas têm que ter respeito por remédio, não é algo que "vou tomar porque eu quis", tem de ser tomado quando precisa. Da mesma forma, é preciso respeitar o produto natural. Não é porque é da natureza que vai fazer bem — alerta Reis.
* Produção: Isabel Gomes