Dez meses após a primeira dose aplicada na enfermeira Mônica Calazans, o Brasil superou, nesta quarta-feira (20), a importante marca de 50% de todos os 213 milhões de habitantes com esquema vacinal completo contra a COVID-19 — receberam, portanto, duas doses ou dose única da Janssen. A conquista surge após o país superar os 600 mil mortos pela doença e aproxima o Brasil do fim da pandemia.
Dados da plataforma coronavirusbra1, que reúne estatísticas das secretarias estaduais de Saúde, mostram que mais de 152 milhões receberam a primeira dose (71% de todos os brasileiros) e 107 milhões (50,19%) receberam o esquema completo. Outros 5 milhões, o equivalente a 2,5% da população, receberam a terceira dose.
Na prática, o Brasil já atingiu uma das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabeleceu que cada país finalize 2021 com 40% da população vacinada. A próxima meta é chegar até metade de 2022 com 70% de todos os habitantes com esquema completo. A nível nacional, o objetivo do Ministério da Saúde é vacinar com duas doses 85% de todos os brasileiros, segundo consta no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 - o que equivale a aplicar a segunda dose em mais 75 milhões de brasileiros.
A despeito das constantes críticas do presidente Jair Bolsonaro às vacinas — ele reafirmou há poucos dias que decidiu não se vacinar, contrariando o consenso da ciência de que essa é a saída para o fim da pandemia —, os brasileiros vêm apresentando maior adesão à campanha frente a outros países, herança da memória coletiva da maior qualidade de vida oferecida anos atrás por imunizantes que resolveram chagas como sarampo e poliomielite.
Ainda que tenha iniciado a aplicação meses depois de outros países, o Brasil aproveitou a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) para dar rápida vazão às doses — a ponto de aplicar mais de 1 milhão de vacinas em um dia.
Como resultado, o país é, em termos brutos, a quarta nação que mais vacinou com uma dose, atrás de China, Índia e Estados Unidos. Proporcionalmente, é o 15º país que mais aplicou a primeira dose — mais do que Alemanha e Estados Unidos, segundo dados do Our World in Data, projeto da Universidade de Oxford.
— O Sistema Único de Saúde se mostrou muito capaz quando houve disponibilidade de doses. O resultado é que a campanha atingiu em curto espaço de tempo um grande número de pessoas imunizadas. Houve agilidade muito grande, e isso se refletiu em diminuição de casos e de mortalidade — afirma Guilherme Watte, epidemiologista na Santa Casa de Misericórdia e professor na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Próximos desafios
O desafio, agora, é reduzir a abstenção, buscar adolescentes, aplicar mais terceiras doses e elevar a cobertura de duas doses em adultos — neste indicador, o Brasil cai para a 37ª posição, bem atrás de países ricos e de vizinhos como Argentina e Uruguai.
— Em 1998, tivemos a epidemia de H1N1. O presidente da época comprou vacina em estudo e, no ano seguinte, quando as doses chegaram, já estava tudo organizado. Em três meses, vacinamos 88 milhões de pessoas. Com a covid, em três meses tínhamos vacinado 8,6 milhões. Agora que o Brasil tem vacina, está muito mais rápido. Nosso SUS é capilarizado: chega na periferia e vai de barco no Amazonas — destaca a médica epidemiologista Ligia Kerr, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A epidemia no país começou a perder força em junho, destaca o último boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mês em que o ritmo de vacinação começou a engrenar. O resultado é que o nível de novos casos, hospitalizações e mortes caiu drasticamente: a média móvel de mortes desta sexta-feira (15) é de cerca de 330 vítimas por dia, segundo dados do Ministério da Saúde — no pior momento da epidemia, em abril, eram mais de 3,1 mil.
— É visível o impacto da vacinação no número de casos graves e na necessidade de hospitalização. Conseguir aplicar mais de 1 milhão de doses por dia é muito relevante. Se não houvesse a questão política que retardou a compra de vacinas, estaríamos em índices melhores — afirma Rodrigo Boldo, médico intensivista do Mãe de Deus.
A despeito da menor recusa vacinal por parte de brasileiros, Boldo destaca que a desinformação precisa ser combatida:
— Atualmente (a entrevista foi realizada na semana passada), 90% dos pacientes internados no Hospital Mãe de Deus são não vacinados. Talvez minha amostra seja enviesada porque quem interna é quem não se vacinou, mas são pacientes que chegam cegos, acham que é tudo armação. Um paciente internou, ficou entubado 20 dias e depois me perguntou quando poderia se vacinar — conta.
Até o surgimento da variante Delta, analistas entendiam que o país precisaria aplicar duas doses em cerca de 70% de toda a população para atingir a imunidade coletiva — quando vacinados protegem não vacinados —, e a epidemia acabaria no país.
No entanto, viu-se que a nova variante é altamente transmissível e que pode ser passada adiante também por vacinados (em menores níveis e por menos tempo do que não vacinados). A constatação exige elevar ainda mais a cobertura vacinal, para patamares por volta de 90% de todos os habitantes — quando atingirmos esse número, dizem analistas, a covid-19 será reduzida a baixíssimos patamares, o que permitirá maiores flexibilizações. A Dinamarca, por exemplo, dispensou todas as restrições após vacinar com duas doses 85% de todos os habitantes.
Cobertura vacinal desigual pelo país
A expectativa é de que, em breve, quando a transmissão cair, o coronavírus se tornará similar à gripe influenza, passível de ser controlado apenas com a vacinação. Antes da pandemia, o Brasil costumava registrar cerca de 2 mil mortes por influenza, cita a médica Flávia Bravo, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Dados de 2019 do Ministério da Saúde apontaram, no ano, quase 2,5 mil casos graves de influenza e mais de 1 mil mortes.
Mas os dados mostram que, ainda que a vacinação avance, a cobertura é desigual no Brasil. São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná são os únicos Estados que vacinaram com duas doses mais de 50% de seus habitantes. Enquanto isso, Roraima e Amapá, regiões com maior dificuldade de acesso logístico, sequer chegaram aos 30%.
— A cobertura desigual, seja interna no país ou no mundo, pode trazer risco de entrada de nova variante ou de produção de uma supervariante que ultrapasse a imunidade de quem já esteve doente e dos já vacinados da região — observa a médica Ligia Kerr, também professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A favor do Rio Grande do Sul está a alta vacinação no comparativo com outros Estados — é a terceira mais alta cobertura vacinal de duas doses do país, com cerca de 56% de todos os habitantes com duas doses e 77%, uma.
O Estado surfa na decisão de gestores de não reservar segundas doses no início da campanha e também pela cultura de vacinação contra doenças respiratórias do inverno, o que ensinou gestores, servidores da saúde e famílias gaúchas a se organizarem — e valorizarem — a ida ao posto para se imunizar.
O apreço pelas vacinas pode ser simbolizado por Porto Alegre, onde 97% de todas as pessoas com 12 anos ou mais, aptas a se imunizar, já buscaram a primeira dose. Até o momento, dentre os 497 municípios gaúchos, mais de 80 já vacinaram com esquema completo 70% de toda a população. Entre cidades com mais de 100 mil habitantes, a melhor cobertura é em Porto Alegre.
— Estamos no caminho. A vacina ajudou e está ajudando. É questão de mais alguns meses para que o impacto dessa doença seja o mínimo. Agora, é ter um pouco mais de paciência — observa o médico intensivista Rodrigo Boldo, destacando a necessidade de manter o uso de máscaras e evitar aglomerações.