A aplicação da terceira dose de vacina contra a covid-19 em todos os idosos com 70 anos ou mais e imunossuprimidos, a ser iniciada no Rio Grande do Sul e outros Estados a partir desta quarta-feira (15), servirá para renovar os sistemas de defesa de ambos os grupos e evitar possível piora da epidemia no país com o avanço da variante Delta, destacam quatro especialistas ouvidos por GZH.
A terceira aplicação, apoiada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é baseada em diversos estudos, inclusive brasileiros, apontando que, seis meses após a segunda dose, Pfizer, CoronaVac e AstraZeneca perdem eficácia — não há estudos demonstrando perda em até oito meses com a Janssen.
Pesquisa da Fiocruz mostrou que a proteção da CoronaVac, a mais usada em idosos, cai para 67% em pessoas acima de 80 anos e 33% no público acima de 90 anos. A AstraZeneca, também usada em parcela dos mais velhos, mantém proteção estável em indivíduos acima de 80 anos, com 89% de eficácia, mas cai para 65% de eficácia em idosos acima de 90 anos.
Outros estudos, a nível internacional, mostraram que a terceira dose estimula o sistema imune, sobretudo a geração de anticorpos — em alto nível, eles estão associados a uma maior proteção contra a covid-19.
— A terceira dose lembra o sistema imune de manter a defesa alerta, aumenta o número de anticorpos e melhora a proteção. Com o passar dos meses, a proteção diminui, principalmente em idosos, com envelhecimento celular mais significativo. Quem não se vacinar estará sob risco aumentado de se infectar pela Delta, uma variante mais agressiva entre não vacinados — diz André Luiz Machado, médico infectologista do Hospital Conceição.
O Rio Grande do Sul seguirá orientação do Ministério da Saúde e aplicará terceira dose da Pfizer. Caso haja falta, pode-se usar a AstraZeneca. Apenas podem apresentar-se idosos que receberam a segunda dose há pelo menos seis meses, independentemente de qual vacina receberam. Espera-se que o uso de imunizantes diferentes ensine o sistema imunológico a proteger-se de novas formas, o que elevaria a eficácia.
— Tem quem fale que a terceira dose aumenta de seis a oito vezes a proteção. Espera-se um super-reforço e que não aconteça grande aumento de mortalidade e internação. Essa nova proteção é bem-vinda, mostra-se necessária, segura e eficaz — resume o epidemiologista Paulo Petry, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A despeito de o Brasil vivenciar consistente queda de novas hospitalizações e mortes por coronavírus, o Ministério da Saúde projeta que, a partir de setembro, o número de hospitalizações suba. Além disso, relatório da Fiocruz divulgado em agosto apontou novo aumento em internações entre idosos no Rio de Janeiro: de cada 10 hospitalizados, sete eram velhinhos. A instituição carioca recomenda a terceira dose em idosos.
A terceira dose em idosos é uma medida para evitar o recrudescimento, aliada à redução do intervalo entre a primeira e a segunda aplicação da Pfizer e da AstraZeneca, de dez semanas para oito. A decisão do governo federal também é norteada em meio ao acentuado aumento de hospitalizações e mortes de idosos em países como Israel, Estados Unidos e nações europeias, onde a vacinação de idosos começou antes e a Delta ganhou mais território.
Outros países
Apesar do relativo consenso de que a terceira dose eleve a proteção, ainda não há estudo cravando aumento da eficácia em alguma porcentagem. O único anúncio citado por analistas é o do governo de Israel, que começou a aplicar a terceira dose em 30 de julho. O Ministério da Saúde local anunciou que terceira dose para maiores de 60 anos ofereceu cinco a seis vezes mais proteção após dez dias contra doenças graves e internações.
Na Inglaterra, a terceira dose será oferecida para a população acima dos 50 anos. A medida é o “plano A” para evitar nova piora da epidemia e novas restrições ao comércio, anunciou na terça-feira (13) o primeiro-ministro, Boris Johnson. Os Estados Unidos começam a aplicar a terceira dose no fim de setembro, junto com nações europeias.
— Alguns países, como Estados Unidos e Israel, pensam na terceira dose com número de casos aumentando rapidamente. Estamos tentando ir uma passo à frente porque, caso haja uma situação epidemiológica parecida, estaremos protegidos - afirma o médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Cunha lembra que ainda não há estudos indicando que pessoas mais jovens ou de outros grupos prioritários precisem de terceira dose. Apesar disso, Israel, onde sobram vacinas, abriu a opção para todos os habitantes e ainda se prepara para uma quarta dose.
— A terceira dose tem esse objetivo de melhorar e prolongar a proteção para esses grupos vulneráveis. A resposta é igual ou até melhor ao usar plataformas diferentes. Por isso o Ministério coloca como preferencial o uso da Pfizer. Mas é restrito a esses grupos. Temos que melhorar a vacinação em países mais pobres antes de fazer terceira dose na população em geral — diz Cunha.
O argumento do presidente da SBIm é o mesmo da Organização Mundial da Saúde (OMS), para quem a terceira dose é injusta em meio à baixíssima cobertura de uma dose em países pobres, sobretudo do continente africano. A entidade pede que nações com campanha avançada doem imunizantes.
A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19 e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini, explica que idosos devem ficar ainda mais protegidos e, com isso, menos vulneráveis a desenvolver coronavírus na forma grave.
— É possível que a terceira dose faça os anticorpos circulantes permaneçam por mais tempo, dando proteção maior contra a infecção. O fato de algumas celebridades idosas queridas terem falecido teve peso e apelo popular. Não é uma medida empregada porque a situação já está crítica. Espero que a terceira dose seja ampliada para pessoas com mais de 60 anos e profissionais da saúde. Não temos indicativos de que a população no geral perca a resposta no curto prazo nem que uma variante escape completamente das vacinas — afirma Mellanie.