- Vacinados podem pegar covid, mas têm menos chance de adoecer gravemente
- Vacinados infectados passam menos o vírus do que infectados sem vacina
- Por poderem se infectar e passar o vírus sem saber, vacinados devem usar máscaras e zelar pela vida de idosos que ainda não receberam reforço e pessoas sem duas doses
Imunizados com duas doses, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pegaram covid-19. Com uma dose, o Advogado-Geral da União, Bruno Bianco, também se infectou. Os diagnósticos foram usados por grupos antivacina para afirmar nas redes sociais que as vacinas falharam. Mas as alegações ignoram premissas básicas sobre imunizantes: servir para evitar casos graves, hospitalizações e mortes.
Infectado com covid-19 depois da viagem a Nova York ao lado do pai, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que recebeu a primeira dose da Pfizer, afirmou no Twitter que “o meu caso e o do Queiroga são exemplos que descredibilizam o passaporte sanitário. Sinto-me melhor do que ontem e nem te conto o que tomei”, escreveu Eduardo.
O argumento de que vacinas não protegem é falso e parte de uma equivocada premissa, jamais dita por cientistas, de que elas são infalíveis. Nenhuma vacina ou remédio, para qualquer doença, tem 100% de eficácia - o que explica a morte do ator Tarcísio Meira, por exemplo. Entretanto, imunizantes diminuem muito o risco de internação em hospital e morte por covid-19.
A redução de risco é indicada na porcentagem de eficácia apresentada para cada vacina pelos laboratórios. A Pfizer, ao anunciar que seu imunizante tem 95% de eficácia contra a variante original da covid-19, indicou que, entre todos os voluntários do estudo, 95% não adoeceram e 5%, sim. Destes, uma menor parcela foi hospitalizada e um grupo ainda menor morreu.
Críticas às vacinas confundem duas palavras-chave: infecção e adoecimento. A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica que todos os vacinados com duas doses ainda podem se infectar e transmitir covid-19 - mas bem menos do que não vacinados. A questão é que a maioria não adoecerá.
Vacinas contra a covid-19 não são o que cientistas chamam de “esterilizantes” - ou seja, não aniquilam o vírus quando ele entra no corpo. O que elas fazem é ensinar o sistema imune a combater o Sars-Cov-2 uma vez que ele adentre o organismo.
Portanto, quando um vacinado interage com alguém com covid-19 sem máscara ou em aglomeração, o vírus entrará no corpo e começará a se replicar. Contudo, como a vacina terá ensinado o organismo a gerar uma resposta imunológica contra o invasor, o nível de multiplicação do Sars-Cov-2 será menor e, por consequência, a taxa de transmissão para outras pessoas também será reduzida.
— Todas as vacinas controlam a doença e, em graus diferentes, a transmissão. Os vacinados vão se infectar, mas têm menos chance de ficarem doentes porque o vírus vai circular, mas em muito menor quantidade, por causa da resposta imune. Todos os estudos mostram que a vacinação controla a disseminação viral. Digamos que você tomou vacina, pegou covid e desenvolveu algum sintoma. Você estará mais protegido e transmitirá menos — resume a imunologista.
Bonorino acrescenta que vacinas permitem a entrada do vírus, em vez de matá-lo logo na “entrada”, porque o sistema imunológico atua em lógica de “ondas” do mar. Em resumo, as defesas não ficam o tempo todo em alerta: são ativadas quando o vírus entra no organismo.
— Há um gasto energético muito grande para fazer a resposta de defesa. O sistema imune responde a desafios. Quando ele controla uma infecção, a maioria das células geradas não morrem. Elas mantêm uma população especial, que a gente chama de memória, que são como células-tronco que se renovam no corpo. Quando houver novo desafio (novo contato com o vírus), as células de memória vão se clonar e multiplicar — diz a imunologista.
É justamente porque vacinados transmitem o vírus (lembrando, menos do que não vacinados) que autoridades rogam que todos sigam com o uso de máscaras, buscando encontros ao ar livre e evitando aglomerações.
Conforme mais pessoas atingirem o esquema vacinal completo, mais será comum que a covid-19 manifeste apenas sintomas leves, como dor de garganta, dor de cabeça e, talvez, leve febre. Isso exige que tais manifestações não sejam tomadas como simples alergia e motivem o autoisolamento.
A lógica é solidária: vacinados que se cuidam ajudam a salvar a vida de quem ainda não recebeu duas doses. Neste momento, idosos começam a tomar a dose de reforço porque já registram queda de imunidade. Se você convive com pais e avós mais velhos, usar a máscara e manter os cuidados conhecidos é zelar pela saúde dos entes queridos.
— Quando a pessoa tiver tosse, dor de garganta, dor de cabeça e sensação de febre, pode ser covid, mesmo estando vacinada. É preciso ter pensamento coletivo: não é só minha saúde, mas também para quem posso transmitir e que pode evoluir de forma grave, seja idoso que precisa do reforço ou alguém que ainda não tomou a segunda dose. Não é o momento de relaxar com o uso de máscara — sintetiza a médica Andréa Dal Bó, integrante da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRGI).
Já há forte consenso entre médicos e governantes do Brasil e de outros países que a vacinação é a principal responsável por proteger pessoas e enfraquecer a epidemia. Na quinta-feira (23), o Brasil registrou 876 novas mortes por covid-19, número bem abaixo do registrado no auge da epidemia, em abril, com mais de 4 mil vítimas contabilizadas em um único dia.
Levantamento de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou que, entre maio e julho, 91,49% das pessoas que morreram de coronavírus no Brasil não tinham duas doses.
Já nos Estados Unidos, onde o movimento antivacina é forte e há regiões onde a cobertura de duas doses sequer passa dos 40%, a Delta vem provocando nova piora - a média móvel de vítimas diárias chegou, na quinta-feira (23), a 2 mil, o número mais alto desde fevereiro.
— As vacinas atualmente utilizadas impedem que uma pessoa fique muito doente, vá para a UTI e tenha óbito por causa da covid. Basta ver as curvas atuais da evolução da doença no Brasil para ver que os números despencaram. O número de pessoas nas UTIs diminuiu dramaticamente. Duas palavras: vacina funciona — resume Breno Riegel dos Santos, médico e chefe do setor de Infectologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição.