Em rota de crescimento no Brasil, a variante Delta do coronavírus já se tornou predominante em pelo menos 61 países onde respondeu por mais da metade dos casos analisados nas quatro semanas anteriores, conforme apontam registros da plataforma internacional Gisaid atualizados até a sexta-feira (27).
Isso equivale a 43% das nações incluídas nesse banco de dados abastecido por cientistas de todo o mundo, mas o impacto desse avanço apresenta impactos variados.
A análise de alguns países de diferentes regiões onde essa cepa se tornou praticamente exclusiva, como Estados Unidos, Reino Unido, Israel e Austrália, confirma a tendência de aumento de casos e de óbitos após a proliferação da nova variante – mas a dimensão desse crescimento é desigual e parece indicar que depende muito de outros fatores além da vacinação, como medidas preventivas de distanciamento e uso de máscara.
Nesse grupo selecionado de países, o salto de novos casos de covid-19 foi maior em Israel, que demonstra o maior percentual da população completamente vacinada, com 62% dos habitantes imunizados. Ainda assim, a média diária de novos casos por milhão disparou de cerca de oito no começo de maio para mais de 800 ao final deste mês (veja detalhes nos gráficos mais abaixo).
Nos Estados Unidos, no mesmo período, esse patamar saltou de cerca de 150 para mais de 450 novas notificações diárias por milhão com pouco mais da metade dos americanos com esquema vacinal concluído. Uma das hipóteses é de que, com o avanço inicial das aplicações de imunizantes, mas ainda distantes de alcançar a imunidade coletiva, esses países tenham aberto mão rápido demais de outras ações de combate à pandemia, como uso de máscara e distanciamento social.
– Ainda é muito cedo para pensarmos em ter uma vida mais próxima ao que era antes. Mas, apesar do crescimento de casos em lugares como Israel, graças à vacinação não voltamos a ver ainda dados de hospitalizações e óbitos nos patamares pré-vacina. Os Estados Unidos parecem ser um caso um pouco diferente, que precisamos acompanhar – analisa o médico epidemiologista Natan Katz.
A Austrália, que se notabilizou por medidas mais severas de distanciamento ao longo de toda a pandemia, somou 100% das amostras genéticas vinculadas à Delta nas últimas quatro semanas. O número de casos também passou a subir, mas em um patamar 27 vezes inferior ao israelense, por exemplo, mesmo com uma proporção mais baixa de australianos vacinados (25,6%).
A situação do Brasil e do Rio Grande do Sul, que oscila entre um cenário de estabilidade e pequenas quedas de hospitalizações, também diverge do cenário nesses outros países – mas a Delta começou a se espalhar mais tarde e ainda vem ganhando impulso. O painel da Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta uma prevalência de 59% da Delta no país no mês de agosto, mas esse número pode ser superestimado por razões como a maior testagem de casos suspeitos da nova cepa e em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul onde ela aparenta ser mais frequente do que em outros lugares.
– A situação pode não representar o contexto nacional porque há um possível viés relacionado ao número de sequenciamento por Estados. Particularmente no Rio e em sequenciamentos que temos feito aqui, a tendência de registro de Delta é alta nesse momento, em São Paulo também. Em outros Estados não vemos esse incremento ainda. O incremento da Delta não é homogêneo no país – observa Fernando Spilki, virologista, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica (que faz sequenciamento genético do coronavírus em nível nacional).
No Rio Grande do Sul, a nova cepa correspondia a cerca de 18% dos casos até a metade deste mês. A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzi Camey avalia que outro fator pode contribuir para evitar um impacto tão relevante da Delta até o momento no Estado.
– Além destas hipóteses (mais uso de máscara e distanciamento do que em outros países), a predominância da variante Gama pode, de alguma maneirar, impedir que a Delta domine tão rapidamente – observa Suzi.
Segundo Natan Katz, é importante monitorar o que ocorre hoje e o que vai acontecer em um futuro próximo onde essa variante já se tornou dominante como referência para o que pode ocorrer no Brasil. Mas Katz não crê em um cenário pessimista:
– Ainda é esperado termos movimentos de aumento e recuo da pandemia, considerando que ainda não temos países com 80%, 90% de toda a população vacinada. Devemos acompanhar o que ocorre em outros países e ver se a curva seguirá crescendo ou achata de novo.