A proliferação de casos da variante Lambda (C.37) pela América do Sul atraiu atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda não há estudos que comprovem a maior transmissibilidade dessa cepa do coronavírus, mas o aumento de casos e a baixa taxa de vacinação em áreas do continente onde essa mutação foi identificada preocupam autoridades de saúde. No Brasil, por enquanto, três casos e uma morte já estão relacionados à cepa.
No Peru, onde foi detectada pela primeira vez em dezembro, a variante, também chamada de andina, já representa 81% dos casos. Argentina e Chile também veem alta de contaminações. Classificada em junho como variante de interesse (VOI, na sigla em inglês) pela OMS, a Lambda já foi rastreada em 29 países. Entre as 20 nações latino-americanas, sete registraram a cepa. Na Argentina, foi responsável por 37% dos casos detectados de fevereiro a abril. No Chile, representa 32% das ocorrências listadas nos últimos 60 dias. Os países da região, porém, não têm estrutura robusta de vigilância genômica.
— A América Latina sequencia muito pouco. O Brasil é o país que mais sequencia na região e é pouco comparado a países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido — afirma Rodrigo Stabeli, diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em São Paulo. — A vigilância genômica é de extrema importância para entendermos o comportamento de infecção das variantes e fazer medidas de contenção.
Em números absolutos de casos, o Chile é líder mundial de notificações da Lambda. Segundo o Gisaid, banco online global de sequenciamentos com dados, são 840 registros. Na sequência, vêm Estados Unidos (621) e Peru (242).
O Brasil registrou, até agora, dois casos em São Paulo e um terceiro, que morreu no Rio Grande do Sul. O número, porém, pode ser maior.
— Não acredito que tenhamos só três casos — diz o infectologista Alexandre Zavascki, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. — Não estou dizendo que se expandiu, mas quando quase casualmente detectamos a C.37, é possível, considerando que nas nossas fronteiras há grande entrada de pessoas vindo dessas regiões, que já tenhamos em algum grau mais casos que esses já reportados.
Segundo o governo do Rio Grande do Sul, a infecção em território gaúcho foi importada da Argentina. O pesquisador afirma ainda que a Gama — cepa predominante no território nacional (P.1), originalmente identificada em Manaus — pode ser um impeditivo para o avanço da Lambda.
— Isso só saberemos monitorando — diz Zavascki.
Contágio mais rápido ainda é alvo de estudos
Stabeli explica que a rápida dispersão da cepa por esses países ainda não confirma a hipótese de maior transmissibilidade.
— Isso não significa que ela é mais agressiva ou mais letal — afirma o também professor de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e consultor da OMS para genômica. — O que a gente pode observar no Peru é que ela teve rápida dispersão, mas não podemos atribuir isso somente à variante, pode ser também reflexo de um comportamento da população.
No relatório que elevou a Lambda à VOI, a OMS afirmou que a variante é caracterizada por oito mutações na proteína spike, a coroa que liga o vírus à célula humana. O texto aponta que a Lambda tem sido associada a taxas substanciais de transmissão comunitária, com aumento de prevalência ao longo do tempo e de incidência de covid-19 nas regiões onde é detectada.
Consideradas "incomuns", são essas mutações que demandam maiores estudos e não permitem aos cientistas cravar um prognóstico sobre a variante.
— A diferença na C.37 é que as mutações na proteína spike são distintas das conhecidas nas variantes de preocupação até então — afirma Zavaschi, que faz parte da equipe de pesquisadores que analisou o paciente infectado pela cepa no Sul do país. Os resultados estão em fase de pré-impressão e ainda precisam ser revisados por pares.
Segundo Zavascki, algumas dessas mutações estão localizadas em locais que são alvos dos anticorpos, o que abre a possibilidade para uma diminuição da afinidade com as vacinas.
— Tudo isso ainda está em potencial. Pode ser que a mutação modifique, mas, do ponto de vista funcional, não altere a capacidade do anticorpo de aderir na região. A classificação pela OMS é justamente para chamar atenção para a necessidade de mais estudos — argumenta Stabeli.
País onde surgiu nova cepa, Peru é líder em mortes por 100 mil habitantes
Recentemente, o Peru, país de origem da variante, se tornou líder mundial em mortes a cada 100 mil habitantes.
— Embora estejamos vendo algum alívio do vírus nos países do hemisfério norte, para a maioria dos países em nossa região o fim continua sendo um futuro distante — afirmou a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Carissa Etienne, na última quarta-feira (30).
A líder do braço da OMS nas Américas ressaltou que a América Latina, lar de apenas 8% da população global, é responsável por 20% dos casos mundiais de coronavírus.
— Apesar deste quadro preocupante, apenas um indivíduo em cada 10 na América Latina e no Caribe foi totalmente vacinado contra a covid-19. Uma situação inaceitável — criticou.