Pesquisa conduzida com profissionais de saúde de todo o Brasil apontou alta taxa de depressão e burnout, condição caracterizada pelo esgotamento emocional relacionado ao trabalho. Mais de 1 mil participantes de 17 categorias diretamente ligadas ao atendimento de pacientes, de áreas covid-19 e também não covid-19, responderam ao questionário na fase inicial da pandemia, entre maio de junho do ano passado. A situação dos técnicos de enfermagem é a mais preocupante, com quase 70% deles indicando sintomas dos dois quadros.
O estudo é o projeto de doutorado da psiquiatra Carolina Moser, do Departamento de Atenção à Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da mesma entidade, com orientação da professora e psiquiatra Simone Hauck.
Carolina detalha que a síndrome de burnout é um fenômeno que engloba três dimensões: exaustão ou esgotamento emocional (falta de energia, fadiga crônica decorrente de demanda excessiva de trabalho), desconexão ou despersonalização (sentimento de negativismo, descaso relacionado à atividade, distanciamento mental, atitude apática com colegas e tarefas) e redução da realização profissional (baixa autoestima, inadequação, sensação de objetivos não alcançados, perda de interesse e significado do sentido do trabalho).
— O mais alarmante é que mais de metade da amostra (de respondentes do questionário) apresentou níveis elevados de burnout e também quadros compatíveis com depressão clinicamente significativa, que tem impacto funcional e requer tratamento — destaca Carolina.
No geral, as ocorrências de burnout e depressão se mostraram diretamente proporcionais ao nível de exposição à assistência de pacientes infectados pelo coronavírus. Na linha de frente da covid-19, 61,3% demonstraram alto nível de burnout, e 58% sintomas sugestivos de depressão clinicamente significativos.
Na análise mais detalhada dos resultados, chamou a atenção o grupo dos técnicos de enfermagem, responsáveis pela administração direta dos cuidados de saúde, conforto e higiene aos pacientes: 68,2% têm elevado nível de burnout, e 68,7% sofrem de depressão. O fato de o profissional estar alocado em uma área destinada à assistência de casos positivos de coronavírus não foi o único fator associado — nesta parcela dos entrevistados, mesmo quem não estava cuidando diretamente de pacientes com covid-19 estava com burnout.
— Os técnicos de enfermagem estão em contato direto com o paciente e também mais próximos de questões psicossociais dos pacientes e dos familiares. Eles ficam junto, tudo acontece na frente deles — constata a psiquiatra:
— O burnout emerge do trabalho. Envolve questões de processos de trabalho, valores e cultura institucionais, relações com chefia e colegas. Há queixas de eles não fazerem parte das decisões. O técnico é quem executa, na ponta — explica.
Uma das 90 perguntas era sobre a pessoa estar em tratamento de saúde mental. Os técnicos foram os que mais afirmaram “não estou, mas sinto que preciso”.
— Pode-se ter o tratamento mais complexo, de ponta, mas a pessoa que entrega isso ao paciente pode comprometer o resultado, não será a mesma coisa. É uma bola de neve, vai contaminando tudo — comenta Carolina.
Para a psiquiatra, o único caminho é o diálogo, envolvendo todos os colaboradores — e as soluções possíveis partem do grupo. Todos têm a sua importância na instituição, frisa a médica:
— Cada um tem as suas especificidades, mas ninguém fica sem o trabalho do outro.
A partir de agora, estão sendo examinados fatores de risco para que sejam desenvolvidas intervenções que possam ajudar a reduzir esses indicadores.
— Se o indivíduo está adoecido, vai precisar de tratamento, mas o burnout é um problema das instituições e pode ser prevenido. Todos os profissionais fazem parte de uma engrenagem. Se houver profissionais doentes, a instituição, sistemicamente, adoece. Em termos de custos, serão muito maiores com necessidade de afastamentos e também em termos de entrega de trabalho, uma vez que a qualidade diminuiu, e a tendência a erros fica maior. A pessoa está desmotivada, não está inteira. Outro indivíduo poderá adoecer também se há esses elementos no ar. Compromete todo o produto final da organização, em todos os sentidos. É um problema de todo mundo — reflete Carolina.