Foi-se o tempo em que hospital era sinônimo de lugar frio e estéril. Com a pandemia, se proliferaram cenas de equipes celebrando com cartazes, aplausos e balões a alta dos pacientes. Não é à toa: se os protocolos impedem ou restringem as visitas de familiares às pessoas internadas, o calor humano é compensado com a presença e a atenção dos profissionais da saúde. Pensando em humanizar o tratamento, os hospitais Mãe de Deus e Santa Ana, em Porto Alegre, resolveram implantar neste mês um novo tipo de prontuário – este não com informações médicas, mas sim com dados como apelido, nome dos familiares, time para o qual torce e hobbies, por exemplo.
No Mãe de Deus, a ideia de implantar o prontuário afetivo veio justamente da restrição às visitas de familiares que, antes da pandemia, podiam permanecer pelo tempo que quisessem junto à pessoa internada. Segundo a gerente médica da instituição, Priscylla Souza Castro, a própria equipe do hospital começou a sentir necessidade de escrever informações que dessem conta de quem era, de verdade, aquela pessoa que estava internada, para além de sua condição de paciente.
— O paciente é uma pessoa, com família, gostos, vontades, preferências pessoais, profissão, animais de estimação. A equipe começou a fazer essas anotações mais pessoais espontaneamente e logo viu o valor daquelas palavras, por meio das reações das famílias, que ficavam emocionadas — relata Priscylla.
Atualmente, o prontuário afetivo está disponível para pacientes da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e da Unidade de Cuidados Especiais, mas a ideia é implantá-lo em todo o Mãe de Deus. É conversando com familiares, pacientes e os profissionais que os atendem que se define quais as principais características de cada pessoa e, dessa forma, se consegue acolhê-la melhor.
— É um ato bem singelo, mas que compõe todo esse cuidado centrado na pessoa que procuramos implantar, respeitando a história dela, suas vontades e desejos e criando um elo com a equipe — afirma a gerente médica do Mãe de Deus.
No Santa Ana, a ideia surgiu durante uma reunião multidisciplinar, na qual se falava sobre o perfil dos pacientes da ala de cuidados prolongados. A fonoaudióloga Carolina Kalil revela que muitas das pessoas internadas há mais tempo não têm uma rede de apoio muito sólida e, por isso, dependem mais da relação com os profissionais do hospital para manter conexões socioafetivas.
— Resolvemos implementar a ideia entre os pacientes que necessitam de cuidados prolongados para que mesmo aqueles que não conseguem se comunicar verbalmente, ou os que passam muito tempo sozinhos, tenham disponíveis as informações que definem quem eles são — resume Carolina.
O prontuário afetivo do Santa Ana é um pouco diferente do organizado no Mãe de Deus. Nele, há espaços definidos a serem preenchidos, com as perguntas “Como eu gosto de ser chamado/a”, “Como eu sou” e “Do que eu gosto”.
— O que define aquela pessoa? Ela não é só aquele momento de ser paciente. Ela pode não mostrar naquele momento que gosta do Grêmio ou do Inter, por exemplo, mas, se conseguirmos ligar a TV no dia do Gre-Nal, ela vai poder fazer o que fez na sua vida inteira. Vamos trazer paixões para um ambiente hostil — pontua a fonoaudióloga.
Por enquanto, o hospital adotou o prontuário afetivo entre as pessoas internadas na ala de cuidados prolongados e na UTI. O resultado tem sido tão positivo que a ideia é ampliar o projeto para todo o hospital. Carolina conta que tem percebido reflexos dessa humanização na situação clínica de alguns pacientes – uma delas, por exemplo, possuía um histórico de pouca evolução nas tentativas de verbalizar palavras e, com a maior interação com a equipe, tem demonstrado avanços.