Uma variante do coronavírus pode adiar a volta à normalidade em países que avançaram na vacinação contra a covid-19. Identificada primeiramente na Índia, a cepa Delta se espalha pelo mundo. Em Israel, país que havia se livrado das máscaras e onde 57% da população já tomou inclusive a segunda dose, o acessório voltou a ser obrigatório em caráter emergencial por causa da Delta. No Reino Unido, com 48% dos moradores completamente imunizados, a reabertura quase total deve esperar mais algumas semanas por causa da nova cepa, responsável pela maioria dos novos casos de infecção.
A Delta, ou B.1.617, também está no Brasil, mas ainda não se espalhou. Na Inglaterra, segundo o virologista Fernando Spilki, professor da Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, ela venceu a própria cepa britânica, conhecida como Alfa, e se apresentou 60% mais contagiosa. Mas isso não significa que irá ocorrer o mesmo no Brasil. Depende de como vai se comportar diante da variante que mais circula e mais contamina no momento, a de Manaus, também chamada P.1.
— A britânica, por exemplo, é muito contagiosa, mas, no Brasil, não ocupou espaço. E essa é a nossa curiosidade: saber como a Delta vai se comportar aqui. Analisando centenas de amostras, podemos dizer que ela não se disseminou. Vai depender muito do comportamento dela perante a P.1 — diz ele.
Também não se sabe se a Delta é mais letal. De acordo com o virologista Paulo Michel Roehe, membro da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da Universidade Federal do RS (UFRGS), há indícios de que pode ser mais mortal, mas ainda é cedo para afirmar.
— Temos que aguardar um pouco mais. A delta pode se apresentar eventualmente mais letal, mas pode ser por outros fatores, como comorbidades — sugere.
No Reino Unido, pode-se dizer que a Delta desenvolveu mais casos graves da doença. No entanto, o que preocupa os especialistas tem a ver com os sintomas: se antes as pessoas contaminadas pelo coronavírus sofriam com a perda de olfato e de paladar e com dores de cabeça e no corpo, a Delta, logo no início dos sintomas, apresenta espirro e coriza, confundindo-se com resfriado e dificultando o diagnóstico.
— O início da doença parece bastante um resfriado. E isso é um perigo. Na Europa, o pessoal não vai na reunião se estiver resfriado. Aqui no Brasil, as pessoas vão para a academia e vão trabalhar resfriadas. Com a Delta, a pessoa pode dizer: "É só um resfriadinho". Aí, pode transmitir mais fácil. Mas, quando se agrava, tem sintomas como pneumonias graves — alerta Spilki.
Nos Estados Unidos, onde a Delta é considerada uma ameaça ao esforço do governo para controlar a pandemia, os mais jovens têm sido os principais infectados por essa variante. O presidente Joe Biden fez um apelo a esse grupo para que busquem se imunizar contra a covid-19, pedindo "por favor" que se vacinem. A dúvida é se ela de fato contamina os mais jovens ou se eles são o público alvo da cepa porque ainda não estão amplamente vacinados.
— É uma mescla de fatores: a questão de não estarem vacinados, além da volta muito intensa às atividades de trabalho e estudo. As pessoas mais jovens estão mais expostas, e os mais idosos estão vacinados. E, também, pode ser uma características da própria variante, mesmo. Pode ser que a Delta consiga provocar mais doenças em mais jovens. Mas é difícil isolar os fatores — reforça Spilki.
O que assusta é justamente o fato de a variante indiana agir como um balde de água fria mesmo em países que conseguiram um percentual alto de imunizados — o que poderia colocar em xeque a eficácia das vacinas. Não é bem assim, de acordo com os especialistas. Ainda há muitas pessoas sem a segunda dose, o que é fundamental principalmente quando se trata das variantes do coronavírus. Segundo Spilki, a eficácia da primeira dose não é adequada para a maioria das novas cepas, incluindo a delta, o que reforça a importância de os governos intensificarem a campanha para que as pessoas completem o esquema vacinal.
Outra dúvida é se a Delta, nesses países, está atingindo os vacinados, que seguem transmitindo, ou quem ainda não teve sua vez. De qualquer jeito, segundo alguns estudos, as principais vacinas se demonstraram eficazes tanto contra a Delta quanto contra a britânica.
— Alguns pesquisadores avaliaram a Delta contra a vacina da Pfizer. Segundo esse trabalho, a Pfizer teria eficácia de 79% contra a Delta em comparação com a britânica, que teve 92%. Já a AstraZeneca, nesse mesmo estudo, teve proteção de 60% contra a Delta, contra 73% da britânica. Mas o importante é o seguinte: a eficácia efetiva da vacina. Quando tivermos centenas de milhares de pessoas vacinadas, quantos casos ocorrerão nos vacinados? Precisamos ter um grande número de pessoas vacinadas. Mas, em princípio, as vacinas parecem proteger bem, mesmo contra a Delta — diz Roehe.
Para quem tem a sensação de que novas variantes do coronavírus vão surgindo e tornando cada vez mais distante o fim da pandemia, o professor da UFRGS dá um alento:
— Como virologista, posso imaginar que a pandemia continue de uma forma endêmica, ou seja, estabelecendo uma relação de equilíbrio, e permaneça na população, como a influenza. A gripe espanhola, provocada pela influenza, causou um surto numa época em que a situação era mais complicada, matou 50 milhões e depois se estabilizou, mas o vírus continua circulando de uma forma endêmica, quando causa um número de casos aceitável. É possível que a gente chegue numa situação dessa em relação ao coronavírus.
Mutações da delta
Segundo Spilki, a Delta já está mudando e há pelo menos três tipos dessa variante. A que mais ocorre no mundo é a B.1.617.2, que é a Delta propriamente dita, identificada em praticamente todos os países que fazem vigilância genômica. E há pelo menos duas do mesmo tronco evolutivo, que são a B.1.617.1 e B.1.617.3, que não se disseminaram da mesma forma, mas são parecidas.
E tem outra aparecendo agora, a chamada Delta Plus, antes chamada nepalesa, porque surgiu no Nepal, por meio de turistas que viajaram para a Índia. Ela apareceu quase ao mesmo tempo que a Delta, também se disseminou pela Índia, e já está em mais ou menos 80 países.
— Ainda não sabemos se a Delta Plus é capaz de se disseminar tanto quanto a Delta. Mas tem mutações. Ainda não tem relato no Brasil — garante o virologista.
Casos da Delta no Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde, há apenas 11 casos identificados até o momento, sendo seis no navio que está na costa do Maranhão, um em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, um em Juiz de Fora, Minas Gerais, dois em Apucarana, no Paraná, e um em Goiânia, em Goiás. Duas mortes foram relacionadas à B1.617: a de um tripulante indiano que estava no navio no Maranhão, um homem 54 anos, e a de uma gestante de 42 anos, no Paraná.
No Rio Grande do Sul, a cepa ainda não foi identificada, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES).