Foco de preocupação internacional, a variante indiana do coronavírus, identificada em outubro e já detectada no Brasil, apresenta-se com alto poder de transmissibilidade e detém a atenção da comunidade científica, que precisa descobrir se os níveis de severidade dos sintomas da covid-19 e da mortalidade também são mais elevados.
A B.1.617, classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como "preocupante" na semana passada, já tem três sublinhagens, que diferem em pequenas mutações e na prevalência ao redor do globo — a que infectou pelo menos seis tripulantes do navio MV Shandong Da Zhi, ancorado no litoral do Maranhão, em alto-mar, é a B.1.617.2.
De acordo com o Ministério da Saúde, todos os 24 ocupantes foram testados, e 15 amostras apontaram resultado positivo para a covid-19. Um homem de 54 anos está internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da capital maranhense.
A embarcação tem bandeira de Hong Kong e passagem pela África do Sul, e os marinheiros infectados cumprem quarentena em cabines individuais. A Secretaria de Saúde do Maranhão informou que os contactantes da tripulação estão sendo isolados e testados. Carlos Lula, titular da pasta e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), disse, na quinta-feira (20), que ainda não foi registrada transmissão local da nova variante.
Transmissibilidade
Fernando Spilki, virologista e professor da Feevale, explica que a sublinhagem B.1.617.2 é a que mais se dissemina, despontando como a dominante nos bancos de dados da Europa e dos Estados Unidos. A transmissibilidade foi analisada em vários países. Dados reportados inicialmente, a partir do território indiano, mostravam transmissibilidade mais alta do que a das variantes britânica e P.1, surgida no Amazonas. Agora, entretanto, nota-se, segundo Spilki, que a transmissibilidade da linhagem da Índia é muito similar à das variantes britânica e P.1.
O virologista, coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações — para monitoramento e sequenciamento do genoma do coronavírus circulante no país —, elogia a ágil e eficiente resposta das autoridades no episódio maranhense, mas critica a lentidão de resposta no âmbito nacional.
— O Brasil demora a tomar atitudes, tanto para variantes externas quanto para variantes locais. Deveriam ser tomadas medidas mais fortes. Tem que restringir voos, implantar sistemas de detecção e de quarentena para as pessoas que estão chegando — comenta Spilki, citando como bom exemplo o que foi feito com uma variante detectada no interior de São Paulo. — É preciso restringir circulação, vacinar mais naquele foco, mas as decisões são muito lentas. Deveriam ser muito mais preventivas — complementa, mencionando ainda a importância da testagem para caminhoneiros, que trafegam por longas distâncias.
Em nota, o Ministério da Saúde justificou que "desde a comunicação dos casos suspeitos, no dia 13 de maio, todas as medidas de prevenção e controle foram adotadas pelo ministério, como o isolamento da tripulação, rastreamento e monitoramento das pessoas contaminadas".
Entrada da cepa no país
A partir de agora, é preciso também observar. Não se sabe se a variante indiana entrou no Brasil pelo Maranhão — pode ter chegado por outros pontos — e se vai se espalhar a partir de lá. Deve-se manter uma "vigilância genômica" alta, alerta Spilki, ou seja, esmiuçar os casos. Sabe-se que as três — indiana, britânica e P.1 — são mais transmissíveis, mas é necessário conhecer o comportamento da "novata" no cenário atual.
— A variante britânica foi introduzida no Brasil no momento em que a P1 começava a se espalhar em Manaus. A britânica está bem disseminada pelo país, mas espalhada geograficamente. A P.1 tem protagonismo completo e total se comparada à britânica. Vamos ver o que vai acontecer em relação à indiana. Hoje, temos basicamente só a P.1 provocando quase todos os casos no Brasil — descreve o virologista.
Mutação andina
Spilki se revela especialmente preocupado com outra variante, a andina, batizada de C37. No momento, a C37 divide espaço com a P.1 na Argentina, nação que inicia mais um período de confinamento a partir deste sábado (22) para tentar frear a aceleração de infecções naquele que o governo vizinho chamou de o pior período da pandemia no país até aqui.
— A C37 traz um nível de preocupação até mais alto para o Rio Grande do Sul porque consegue se disseminar mesmo em populações impactadas pela P.1 — adverte o professor.
Questionada por GZH a respeito de eventuais medidas sendo tomadas para evitar a chegada das variantes C37 e B.1.617.2, a Secretaria Estadual da Saúde respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que "mantém a preocupação e a vigilância nas fronteiras". Continua o texto: "Além disso, periódicas análises são realizadas para a identificação das variantes que estão circulando no Estado, sendo que essas variantes ainda não foram diagnosticadas".
Variante x vacinas
O avanço lento da vacinação e o aumento da mobilidade nas cidades são preocupantes, frisa Spilki, mas os imunizantes em uso atualmente estão dando conta, por ora, das variantes do coronavírus.
— Ainda há proteção clínica, mesmo com uma evidente perda parcial na capacidade de neutralização por anticorpos de indivíduos vacinados. A infecção é possível, mas, usualmente, as pessoas estão protegidas, principalmente de manifestações graves da doença. Por enquanto, a imunidade celular, provavelmente, vem nos ajudando. Mas deveríamos evitar, ao máximo, dar espaço para essas variantes evoluírem. Se continuar assim no futuro, teremos problemas — avalia o virologista da Feevale. — As variantes vão mudando, indo por novos caminhos, não são estáticas. Se vacinarmos muito e fizermos as restrições eficazes nos momentos corretos, bloquearemos isso.