Enquanto precisa lidar com uma explosão de casos de covid-19 em 2021, a Índia viu aumentar também o número de diagnósticos de uma enfermidade até então pouco reportada: a mucormicose. A doença, que tem alta taxa de letalidade, já foi registrada em outros países do mundo, como o Uruguai, e passou a ser investigada em alguns pacientes que tiveram coronavírus no Brasil.
A mucormicose é causada por fungos da ordem mucorales, sendo que os mais frequentes são os do gênero rhizopus. Ele está presente na natureza, e é possível que muitas pessoas entrem em contato com ele diariamente — mas só provoca danos em quem tem um sistema imunológico debilitado.
— Normalmente nós respiramos esse fungo de uma maneira geral. Todos, possivelmente, temos contato, mas é um fungo que não costuma ser agressivo o suficiente para transpor as defesas normais do nosso organismo. Por isso, é muito raro — explica o infectologista da Santa Casa Cláudio Stadnik, que também é professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Desta forma, a doença costuma se manifestar em pessoas imunodeprimidas. Entre os fatores de risco está a diabetes tipo 1 não controlada e a falta de neutrófilos, que são células responsáveis pela defesa do organismo. Assim, pessoas que fizeram uso de medicamentos para quimioterapia ou que usaram corticoides em doses altas por muito tempo costumam ser mais suscetíveis.
É justamente este o ponto de encontro entre a covid-19 e a mucormicose: o uso prolongado de medicamentos e até uma predisposição para outras doenças. Quando o paciente fica muito tempo internado e usando corticoides, há maior chance de contrair a enfermidade:
— O próprio vírus da covid-19 causa algum grau de imunossupressão que, por si só, não é suficiente para causar mucormicose. Mas, em alguns pacientes, pelas suas condições de gravidade e pelo uso do corticoide em altas doses ou por tempo prolongado, acaba por propiciar as condições para que a mucormicose aconteça. Então, as coisas se retroalimentam: é o que eu chamo de tempestade perfeita — detalha Diego Falci, professor de Infectologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e médico infectologista dos hospitais São Lucas, Moinhos de Vento e Clínicas.
Sintomas e tratamento
O primeiro sintoma que costuma aparecer nos pacientes com mucormicose é uma sinusite forte, com a inflamação dos seios paranasais. Depois, pode começar uma coriza escura, além de febre, dor de cabeça e vermelhidão no rosto. A doença pode atingir os pulmões e o cérebro, além do globo ocular e do maxilar, podendo levar à morte.
— É uma doença com letalidade em torno de 50% a 70% porque é silenciosa no início e tem um tratamento difícil. Se ela invade o globo ocular, é necessário retirar o olho e todo o tecido ao redor. É mutilante. Às vezes, os pacientes ficam meses internados, fazendo cirurgias e tomando antifúngico — diz Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas e professor titular de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Se a mucormicose avança, pode causar necrose da pele, o que a deixa enegrecida — motivo pelo qual a doença é chamada de "fungo negro". O tratamento envolve uma fase de cirurgias, em que é necessário retirar todo o tecido necrosado, e outra de antifúngicos, que costumam ser aplicado em doses altas.
A doença não pode ser passada de pessoa para pessoa e costuma acometer pacientes que já estão internados.
A Índia e a mucormicose
Os infectologistas ouvidos por GZH não apontam um único motivo para que a Índia registre um alto número de casos de mucormicose, mas sim uma conjunção de fatores. Entre eles estão o alto número de pessoas com obesidade e diabetes e a sucessão de recordes de casos de covid-19 em pouco tempo — já são 28,9 milhões de diagnósticos positivos e 351,3 mil mortes, de acordo com monitoramento da Universidade Johns Hopkins.
Não é possível saber com precisão os números de mucormicose no país asiático. De acordo com agências de notícias, os casos variam entre 10 mil e 28 mil.
— Eles têm muitos diabéticos mal controlados, e ainda há a questão do uso do corticoide. E há um número de casos bem maior do que o nosso, que passam muito tempo na UTI — resume Goldani.
Diego Falci também descarta a relação da variante indiana com o fungo. Segundo ele, sua única contribuição foi ter proporcionado uma nova onda de covid-19:
— Ela propiciou o aumento de casos na Índia, e isso contribui para a questão da imunossupressão e da diabetes. Mas a variante em si não tem relação específica, não predispõe à murcomicose.
GZH entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber quantos casos suspeitos e confirmados de mucormicose foram registrados no Brasil este ano, mas não recebeu retorno. A Secretaria Estadual da Saúde respondeu que não há registro no Rio Grande do Sul.