Os municípios do Rio Grande do Sul terão um desafio significativo para cumprir a meta apresentada pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) de vacinar com pelo menos uma dose toda a população adulta contra o coronavírus até o final de setembro. Para alcançar esse objetivo, será necessário ampliar em 85% a média diária de imunizações registrada ao longo de maio no painel que monitora o avanço da campanha contra a pandemia.
Pelos dados disponíveis até o começo da tarde desta segunda-feira (7), já foram atendidos com pelo menos uma aplicação 3,3 milhões dos 8,9 milhões de gaúchos que formam esse público-alvo. Para abranger os 5,6 milhões restantes nos 115 dias que faltam para encerrar o prazo, será preciso oferecer, em média, 48,8 mil doses iniciais diariamente.
O mesmo painel indica que, em maio, a média de primeiras doses ficou em 26,4 mil a cada 24 horas. Ou seja, será preciso acelerar a campanha de imunização por meio da garantia de insumos suficientes e de uma maior adesão da população, já que a procura por parte do grupo das comorbidades, por exemplo, ficou muito abaixo do esperado até o momento (leia mais ao final da reportagem).
Se houver vacinas na quantidade exigida, mas baixo comparecimento por parte do novo público-alvo, pode ser que o Estado fique longe da meta de imunizar toda a população adulta — isso não resultaria, porém, em atraso no cronograma elaborado por ordem decrescente de idade, já que é possível avançar para uma nova faixa etária sem esgotar a anterior quando a oferta supera a demanda.
Para se atingir a imunidade coletiva, no entanto, é importante buscar como meta a média de 48,8 mil beneficiados ao dia: todos os maiores de 18 anos correspondem a 79% da população gaúcha, e estima-se que seja necessário obter algo próximo de 70% de imunizados para frear a circulação do vírus.
— É uma situação desafiadora. Precisamos aplicar mais vacinas. Demanda para isso existe — acredita o doutor em Matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos, que vem monitorando os desdobramentos da pandemia.
Segundo a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Tani Ranieri, deve-se considerar que muitos municípios atrasam a inserção dos dados de vacinação no sistema informatizado. Assim, mesmo passada uma semana desde o final de maio, é possível que o andamento da campanha esteja um pouco mais acelerado do que sugerem os relatórios oficiais.
O painel estadual indica que pelo menos 80% das vacinas distribuídas já teriam sido aplicadas. Na avaliação de Ramos, há um esforço considerável a ser feito para contemplar toda a população maior de idade. O primeiro passo é contar com imunizantes suficientes. O Estado vinha recebendo cerca de 450 mil doses por semana, o que resulta em 1,8 milhão ao mês. A expectativa, segundo Tani Ranieri, é que esse número suba para 2,2 milhões ainda em junho.
— Se esse patamar se mantiver nos meses seguintes, mesmo levando-se em conta as reservas para segundas doses, consideramos, sim, possível cumprir o cronograma projetado de todos os adultos com pelo menos uma dose até o fim de setembro — sustenta Tani.
Os números apoiam essa esperança. Os envios prometidos resultariam em cerca de 8,8 milhões de doses em quatro meses e permitiriam atender os 5,6 milhões de adultos à espera da primeira injeção, com margem para mais 3,2 milhões de aplicações de reforço — o equivalente a 36% do volume. Em maio, 37% das vacinas aplicadas foram para segundas doses.
Tani lembra que a projeção do Piratini depende de fatores externos, como manutenção das entregas feitas pelo Ministério da Saúde:
— Há diferentes variáveis em jogo, como o quantitativo das vacinas e o intervalo necessário entre as aplicações. Se recebermos só remessas do Butantan, por exemplo, que tem prazo menor (até 28 dias), seria preciso reservar mais (doses para reforço). Fizemos um cálculo que pressupõe recebermos percentuais dos diferentes laboratórios.
Isso envolve também questões como a disponibilidade de insumos para os fabricantes nacionais. Tanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) como o Butantan já tiveram de suspender as produções de vacinas por falta de matéria-prima. Caso isso ocorra novamente, pode interferir no cronograma de entregas e, consequentememte, afetar os prazos previstos pelo Piratini.
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações crê em aceleração
Se há desafios para o cumprimento da meta de vacinações no Estado, também há novos fatores que podem facilitar uma rápida aceleração da campanha nas próximas semanas.
O principal é uma eventual ampliação na oferta de imunizantes por parte do Ministério da Saúde acima da carga de 2,2 milhões de doses mensais. Se expectativas já divulgadas pelo governo federal de avanço na produção nacional e na entrega por parte dos fabricantes se confirmarem, seria possível até adiantar o calendário.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, observa ainda que o Rio Grande do Sul costuma liderar o ranking nacional de aplicação de imunizantes, o que indica uma boa capacidade de distribuição e aplicação quando há produtos suficientes. Além disso, o término da vacinação contra a gripe, no começo de julho, que no momento ocorre de forma concomitante com a campanha da covid-19, pode facilitar os esforços das equipes de saúde.
Outro fator positivo é que a fila por idade, sem necessidade de comprovar atividade profissional ou comorbidade, facilita o processo e tende a aumentar a adesão da população. A nova orientação de que a vacina da Pfizer pode ficar mais tempo do que o previsto inicialmente em geladeira comum (31 dias em vez de cinco) facilita a distribuição e o uso em cidades do Interior.
— Tudo isso, somado à perspectiva de uma entrega mais constante de vacinas, permitiria evoluir o ritmo da imunização. Estou otimista em relação a isso — sustenta Cunha.
Capacidade instalada para dar conta do ritmo necessário de aplicações não falta: em três dias com maior fartura de imunizantes, os gaúchos já aplicaram mais de 100 mil injeções contra o coronavírus em 24 horas.
Baixa adesão do grupo das comorbidades prejudicou ritmo
Uma das possíveis razões para o ritmo moderado da campanha de vacinação, até agora, em relação ao que será necessário para atender todos os adultos até setembro, é a imunização do grupo prioritário das comorbidades ter ficado bastante abaixo do previsto.
Do universo de 1,18 milhão de pessoas com algum problema crônico de saúde no Rio Grande do Sul ou gestantes (incluídas posteriormente), apenas 645,7 mil receberam a dose inicial até esta segunda-feira — o equivalente a 54%.
— Nos preocupa muito essa baixa procura pelo fato de serem pessoas com alto risco para covid — afirma Tani Ranieri.
Uma das possibilidades para o mau desempenho, mesmo que se considere um eventual atraso de notificações, pode estar na exigência de documentação para comprovar a condição de saúde. Isso pode ter afastado parte do público-alvo ou, por problemas burocráticos, ter dificultado o acesso à imunização.
Outra possibilidade, segundo o presidente da SBIm, Juarez Cunha, é que as projeções feitas a partir de cálculos do governo federal tenham superestimado essa população. As contas tentaram separar pessoas com comorbidades que já tinham se vacinado por idade ou por categoria profissional (como pessoal da saúde), mas é possível que tenha havido sobreposição de perfis prioritários.
— As pessoas podem pertencer a mais de um grupo, e isso acaba dificultando as projeções — afirma o presidente da SBIm.
Não devem faltar doses para essa eventual demanda reprimida porque ela já está incluída na estimativa de 8,9 milhões de adultos a serem contemplados até setembro, independentemente do período. Assim, pode ser que o simples aumento da demanda a partir da ampliação do público-alvo e da facilitação das comprovações eleve significativamente a média diária de doses aplicadas no Estado.