Para combater os “bichinhos do sangue”, nasceu o Super-Gugu. A dupla identidade de Gustavo Cunha Rodrigues, oito anos, surgiu com o diagnóstico de uma leucemia linfoblástica aguda, há um ano, para encorajá-lo na penosa jornada. Agora, em uma nova fase do tratamento, mais um herói apareceu para ajudar: Gugu tem comparecido às sessões de radioterapia, na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, vestido de Homem-Aranha.
Morador de Gravataí, na Região Metropolitana, o menino, que cursa o 3º ano do Ensino Fundamental, já se submeteu a meses de quimioterapia em 2020. Perdeu o cabelo, emagreceu, sofreu com enjoos e, muitas vezes, não conseguiu acompanhar as aulas online. Os pais, Ana Maria da Silva Cunha Rodrigues, 41 anos, e Eder Chaves Rodrigues, 44, evitavam pronunciar o nome da doença, restringindo-se a dizer que o filho tinha um “bichinho no sangue”. Curioso, Gugu foi para a internet.
— Mãe, eu sei que não é um bichinho. Sei o que eu tenho — anunciou o garoto certo dia. — É câncer.
Os questionamentos ficavam mais complexos.
— Qual é a porcentagem de chance que eu tenho de morrer, mãe? — perguntou ele, quando ainda tinha sete anos. _ Vi que as pessoas que têm câncer morrem.
Surpresa, Ana Maria, que precisou largar o emprego no setor de fiambreria de um supermercado, tentou acalmá-lo:
— Por isso é que a mamãe e o papai te levam para o hospital, para não acontecer isso.
Câncer mais comum na infância, a leucemia linfoblástica aguda se caracteriza pela proliferação de blastos no sangue e na medula óssea. Mauro Dufrayer, oncologista pediátrico que acompanha o caso, explica que blastos são células primitivas, a partir das quais se derivam outras. A medula é a “fábrica” do sangue — fica dentro dos ossos, como se fosse o tutano do osso do boi.
— Temos também o nosso tutano, a nossa fábrica de sangue. Na maioria das vezes, a leucemia é medular, com proliferação dessas células que moram na medula. Elas crescem muito e de maneira veloz e extrapolam para a corrente sanguínea — detalha Dufrayer.
A medula óssea produz diversas células: plaquetas (impedem hemorragias), células vermelhas (transportam oxigênio), leucócitos (defesa do organismo). Quando os blastos crescem demais na medula, aponta o oncologista, há prejuízo para todas essas outras células. A criança manifesta anemia, palidez, cansaço, manchas roxas (hematomas) e petéquias (pontos vermelhos). Pode ocorrer sangramento espontâneo no nariz e nas gengivas e também febre, relacionada à própria doença ou por conta de o paciente ficar mais suscetível a infecções.
Gustavo está passando por radioterapia devido ao comprometimento do sistema nervoso central. A decisão de usar a fantasia preferida partiu dele mesmo, no mês passado, quando as sessões começaram. Desde os três anos, as festas de aniversário de Gugu têm a temática do personagem favorito. Como a fantasia que o menino tinha estava apertada, os pais providenciaram uma nova.
O pequeno paciente se divide entre o ícone da Marvel e sua outra face — Super-Gugu tem traje oficial e logomarca, além de uma série de itens personalizados, como máscaras para prevenir a infecção por coronavírus, canecas, camisetas e copos. Esses itens estavam entre os presentes sorteados em uma rifa organizada pela família para angariar recursos que contribuíssem para o pagamento das despesas médicas. Mesmo contando com plano de saúde, há uma contrapartida a quitar que cabe ao pai do menino, Eder, que trabalha como rebocador.
Ana Maria, que também é mãe de Ana Carolina, 21 anos, orgulha-se da maneira como o caçula tem enfrentado os momentos mais desafiadores até aqui.
— Por mais dor que tivesse, por pior que fosse, ele estava sempre sorrindo, sempre de boa. Teve momentos em que ele ficou brabo, com raiva, mas geralmente é uma criança muito dócil. Enfrentou como um super-herói mesmo — elogia a mãe.
No Hospital Santa Rita, integrante do complexo da Santa Casa, o Homem-Aranha ganhou um acessório extra: uma máscara pintada à mão pela técnica em radioterapia Clarice Velasque, a partir de termoplástico aquecido e moldado no rosto. A peça serve para imobilizar e manter a cabeça e o pescoço alinhados na mesa junto do acelerador linear, que emite a radiação. Elsa, personagem da animação Frozen, é a customização mais pedida pelas meninas, enquanto os meninos optam por super-heróis variados.
— É um estímulo para o tratamento — diz Juliana Matiello, medica rádio-oncologista.
De acordo com o oncologista pediátrico Dufrayer, as chances de cura da leucemia linfoblástica aguda ficam entre 70% e 90%. Após o tratamento, com duração de cerca de dois anos, o acompanhamento precisa ser mantido ao longo de toda a vida. No momento, o garoto também recebe quimioterapia por via oral — são dois medicamentos, com frequência diária e semanal, tomados em casa.
— Ele está evoluindo muito bem — resume o médico.
Em relação ao futuro, Ana Maria revela estar confiante, apesar das incertezas:
— Você fica com medo o resto da vida. A doença pode voltar mais adiante. Fica sempre aquela coisinha no coração, o medo não acaba. Já passamos por bastante coisa. Estou tranquila, ele está bem. Espero que continue assim. Vai continuar, se Deus quiser.