Após dois meses de discussões, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu, nesta quarta-feira (9), autorização para a pesquisa clínica da vacina ButanVac, produzida pelo Instituto Butantan. Isso significa que o imunizante começará a ser aplicado em voluntários após uma fase de testes em laboratórios e em animais. Antes de começar a aplicação em humanos, o instituto precisa apresentar algumas informações complementares à Anvisa.
Tradicionalmente, os testes clínicos de uma vacina percorrem as fases 1, 2 e 3 até chegarem à aplicação na população em geral. No caso da ButanVac, optou-se por unir as fases 1 e 2, o que acelera o processo, e dividi-la em etapas A, B e C.
Neste momento, está autorizada somente a etapa A do estudo, que envolve 400 voluntários. Os pesquisadores vão avaliar duas informações principais: a melhor resposta e a menor quantidade de efeitos adversos. Os participantes serão divididos em dois grupos, sendo que uma parte receberá a vacina, e a outra parte, placebo — que não produz imunização contra a covid-19.
— Vão ser testadas três doses diferentes. E aí vamos ver se é melhor uma dose maior ou menor, fazendo esses ajustes para poder otimizar a resposta imune para seguir para a próxima etapa, com um número maior de pessoas. É um acompanhamento que vai precisar de um tempo mínimo de 21 dias, um mês — detalhou o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, em entrevista ao programa Estúdio Gaúcha na noite de quarta-feira (9).
À medida em que uma das etapas for apresentando resultado positivo, avança-se à próxima. No total, as etapas A, B e C vão incluir 6 mil voluntários com 18 anos ou mais.
Conforme a Anvisa, na fase B será ampliado o número de participantes e testados diferentes esquemas vacinais, com o objetivo de verificar o efeito contra outras variantes do coronavírus. Já a fase C vai selecionar o modelo que teve a melhor resposta e testar em um grupo ainda maior de pessoas.
Só depois dessas etapas é que será possível passar à fase 3, a última, quando o imunizante é testado em um grupo maior que representa o público-alvo da vacina. É o momento em que se avalia a proteção oferecida pelo imunizante.
A ButanVac será aplicada com duas doses, a princípio com intervalo de 28 dias. O estudo deve ser realizado no Hospital das Clínicas e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
— Quando a gente fala de ciência, os prazos são bastante desafiadores, e a Anvisa não se compromete com nenhum prazo, porque envolve também a capacidade dos pesquisadores de recrutar pessoas, gerar dados, compilar dados — disse Mendes.
GZH questionou o Butantan sobre o recrutamento dos voluntários e sobre os Estados onde serão realizadas as demais fases da pesquisa, mas não recebeu retorno. O perfil dos participantes do estudo também não foi divulgado. O instituto enviou uma nota em que afirma aguardar o "recebimento do comunicado especial de autorização para o início da primeira fase de testes e do termo de compromisso referente aos dados complementares de qualidade da vacina que o instituto deverá enviar ao órgão regulador antes de iniciar a vacinação de voluntários".
Método já conhecido
A tecnologia da ButanVac é a mesma utilizada em vacinas da gripe produzidas pelo Butantan, o que a torna conhecida do instituto e de pesquisadores em geral. Para sua sintetização, é utilizado o vírus Newcastle, que causa gripe aviária e não provoca sintomas nos seres humanos. Ele é usado como vetor para a proteína spike do coronavírus, estimulando o corpo a produzir anticorpos.
— São produzidos segmentos ou proteínas do vírus cujos anticorpos se quer que sejam produzidos. E conseguindo fazer isso, é possível ter um alvo que vai ser imunogênico, isto é, que simulará nossos anticorpos contra determinadas partes do vírus — explica o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz.
O médico infectologista acrescenta que o fato de a ButanVac usar um método já conhecido faz com que o processo de testes possa correr de forma mais rápida:
— O que a gente tem visto neste último ano é que muitas das fases de testes andaram juntas. Não se esperou terminar uma para começar a outra, então houve aceleração do processo. A ButanVac, teoricamente, faz uma plataforma que já é utilizada, e então a gente já sabe que, teoricamente, ela seria segura.
A tecnologia também deve permitir adaptação da vacina às diferentes fases da pandemia, com proteção para novas cepas, conforme o médico infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva:
— Essa tecnologia vai permitir uma plataforma onde é possível modificar a vacina para que ela possa se adequar ao período em que há circulação de determinadas cepas. Ela não é estanque, feita só de um vírus inativado selvagem. Ela permite que se adapte de acordo com o contexto de qual cepa está circulando naquele momento.
A ButanVac tem sido apontada como a vacina 100% brasileira, já que não depende de insumos de outros países, como os imunizantes aplicados atualmente no Brasil. Para Silva, isso pode acelerar o processo de vacinação:
— Ter uma estratégia vacinal de produção própria, que não depende dos outros, mas somente da expertise dos cientistas brasileiros, facilita tanto os estudos quanto a liberação do produto para a grande massa, se a pesquisa demonstrar eficácia. Estão desenvolvendo uma vacina que atende as particularidades do nosso povo. Precisamos ter em mente que há postos de saúde que não têm sequer uma geladeira para armazenar vacina, então ter uma estratégia que não precisa de temperaturas tão baixas facilita bastante — complementa.
O governador de São Paulo, João Doria, publicou em sua conta no Twitter que o Instituto Butantan já tem 7 milhões de doses prontas da ButanVac. GZH questionou o Ministério da Saúde sobre a possibilidade de aquisição das doses. Em resposta, a pasta, informou que "acompanha o desenvolvimento de diversos imunizantes que podem ser adquiridos de forma imediata" e que o governo federal "conversa com laboratórios que têm registro de autorização da Anvisa para o uso da vacina no país."