Os primeiros sintomas foram confundidos com uma gripe. Em poucos dias, Carina Rosa Gonçalves de Oliveira, 32 anos e grávida de oito meses, ficou muito mal. Quando o marido, Alex Oliveira da Cruz, 46, conseguiu convencê-la a ir ao pronto-socorro em Bagé, onde moram, o diagnóstico foi certeiro: era coronavírus. Ela foi internada e, diante do quadro grave, os médicos decidiram fazer uma cesárea para salvar o bebê. Eloah nasceu em 16 de março deste ano, prematura. A mãe morreu três dias depois, sem conhecer a menina e pouco antes de a cidade na região da Campanha antecipar a vacinação nas gestantes, contrariando o Plano Nacional de Imunização.
Asmática e diabética, Carina poderia constar entre as grávidas de alto risco, que começaram a ser vacinadas em 12 de abril em Bagé, 15 dias antes de o Ministério da Saúde incluir as gestantes no grupo de pessoas com comorbidades. Segundo Alex, a mulher, que vendia roupas pela internet, tomava todos os cuidados para não se contaminar, mas ficou reticente em buscar ajuda quando o mal-estar surgiu. A piora foi rápida, e o baque veio quando o marido ouviu dos médicos que, com Carina entubada, a criança também corria risco de vida.
— A Eloah, na barriga, sofreu muito. Foi o que a doutora me disse: a menina já tá começando a ficar sem oxigênio. Aí fizeram a cesárea — conta ele.
Vendedor de pastel em um quiosque no calçadão do Centro da cidade, Alex amarga a morte da esposa e ainda mantém no dedo a aliança, que é símbolo dos cinco anos de casamento. Por outro lado, sente-se aliviado porque a filha sobreviveu.
Com a ajuda da mãe e da irmã para cuidar de Eloah, Alex se indigna com a demora para que as vacinas contra a covid-19 circulem no Brasil. Entende que teve sorte ao ficar com a filha, mas, vez ou outra, se pega pensando em como seria a vida se Carina tivesse sido imunizada.
— É um atraso muito grande. Muitas famílias poderiam não estar sofrendo o que eu estou sofrendo. Essa doença é muita rápida, vem sem avisar. A Carina se cuidava — diz ele.
Além de Eloah, Carina deixou dois filhos de outro casamento: Cristopher Gonçalves Santos, 10, e Isabely, sete. Alex guarda uma sacola de roupas da ex-mulher para a caçula usar quando crescer.
Três grávidas perderam a vida para a covid-19 em Bagé. A filha de Carina foi o único bebê que não faleceu junto à mãe. Eloah nasceu saudável, sem coronavírus.
Medo da doença, medo da vacina
Somada a outras histórias de mulheres que esperavam bebês e perderam a vida para a covid-19, o caso de Carina aumentou a preocupação entre as gestantes de Bagé. Mãe de Bento, três anos, e no sexto mês da gestação de Matteo, a manicure Luana da Silva, 22, já tinha receio do coronavírus, o que só piorou quando engravidou do marido Lucas Tolotti, 30, pela segunda vez.
— Tinha medo de ser entubada, ficava preocupada com casos de grávidas que pegaram covid. Via na televisão histórias trágicas. A gente não sai de casa, faz quarentena real — conta ela.
Luana recebeu a primeira dose da vacina de Oxford/AstraZeneca em 10 de maio, após Bagé abrir a vacinação para todas as gestantes, não apenas as de alto risco. Naquela noite, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um informe técnico recomendando a suspensão do uso do imunizante nas grávidas. Por trás da decisão, mais um caso triste: uma gestante no Rio de Janeiro havia morrido após tomar a vacina e, com ela, também faleceu o bebê. Segundo o documento da Anvisa, a mulher, de 35 anos, havia sofrido uma “trombose com plaquetopenia”, evento adverso grave que inquietou as mães que já haviam se imunizado com a vacina envasada no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
— Eu fiquei: "Ai meu Deus, e agora?" Só penso no Bento e no Matteo — diz Luana.
As reações que sofreu após a injeção, no entanto, foram leves. Apenas uma sensibilidade no local da aplicação e dor de cabeça, previstos na bula da vacina. Como Matteo deve nascer em julho, antes que se complete o intervalo de três meses entre as doses, Luana não pensa demais sobre como e quando será a vacinação de reforço – etapa envolta em dúvidas quando se trata da vacina de Oxford/AstraZeneca, já que o Ministério da Saúde ainda investiga o que causou a morte da grávida no Rio.
Responsável pelas gestantes no posto de saúde Prado Velho, região periférica de Bagé, a enfermeira Gilcelene das Neves foi da comemoração à tristeza quando o imunizante foi suspenso nas gestantes. Foi ela que aplicou a injeção em quatro pacientes, entre elas, Luana. Assim que a morte da grávida do Rio virou notícia em todo o Brasil, bateu o medo de que algumas de suas pacientes tivessem reações graves.
— Me apavorei. Fiquei preocupada: “O que eu fiz?”. Pensei: “Tava tudo indo tão bem, será que agora vai acontecer alguma coisa?”. Mas, graças a Deus, as minhas quatro gestantes ficaram bem. Só tiveram dor no braço e dor de cabeça — diz a enfermeira.
Ao menos 15 gestantes já foram vacinadas contra o coronavírus em Bagé, além de 16 puérperas. A cidade acatou a recomendação do Ministério da Saúde e suspendeu o uso da vacina de Oxford/AstraZeneca nas grávidas. Com escassez de imunizantes, a campanha de imunização contra a covid-19 nas futuras mães está paralisada.
Diante do cenário instável, a dona de casa Gisele Silveira Pompeu, 35, tenta manter a tranquilidade no segundo mês de gestação – tem a segunda dose marcada para agosto e não sabe qual será a recomendação das autoridades. O alívio é que não sentiu nada ao tomar o imunizante, mas viveu a montanha-russa de preocupações causadas pela gravidez, o vírus e o risco da vacina – tudo ao mesmo tempo.
— Se sem a pandemia a grávida já fica paranoica, imagina com coronavírus — confessa.