No longínquo março de 2020, quando a pandemia surgiu, muito antes de pensar em vacina ou em controversos tratamentos precoces, a primeira discussão foi: como e quando testar a população? Hoje, um ano depois, vacinas já são realidade, tratamentos precoces seguem ineficazes e servem apenas como desinformação. Mas testar ainda é o principal meio de rastrear o coronavírus e a sua disseminação.
Dados obtidos por GZH junto as 12 prefeituras da Região Metropolitana mostram que em um ano de pandemia, foram realizados 842.465 testes — entre março do ano passado e a terceira semana de março de 2021. Juntos, os municípios têm 3,5 milhão de habitantes, o que representa uma média de 23.695 testes para cada 100 mil habitantes. O número é bem maior que a incidência de casos (6.842,3) e óbitos (206,9) por 100 mil moradores na região, conforme dados do Ministério da Saúde até o dia 24 de março.
Esse nível de testagem está bem acima da média nacional, como mostrou um estudo publicado no início do ano pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A pesquisa apontou que o Brasil fez, em média, 11,3 mil testes do tipo RT-PCR a cada 100 mil habitantes para detectar covid-19. O levantamento do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da instituição mostrou três fatores que indicam uma falha do país na estratégia de testagem: falta de planejamento para comprar, optar por testes rápidos no lugar dos do tipo RT-PCR, mais assertivos, além da ausência de indicadores confiáveis sobre os dados.
Esteio no topo
Colocando uma lupa sobre os dados, fica ainda mais perceptível a importância da testagem em massa das populações. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, Esteio é a cidade que, proporcionalmente, mais testou moradores. São 38.416 testes para cada 100 mil habitantes. Em números concretos, foram 31.963 testes realizados até o início da semana passada.
A população da cidade é de 83 mil pessoas, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A mesma pessoa pode ser testada mais de uma vez, claro, mas o número total de testes representa 38% da população da cidade. Não coincidentemente, o município também lidera os rankings da incidência de casos e óbitos. São 9.982,9 casos para cada 100 mil moradores e uma taxa de 283,6 óbitos a cada 100 mil habitantes. Quando mais se testa, mais se tem real dimensão da penetração da doença naquela população.
Em Viamão, cenário inverso
O contrário também é verdadeiro. Olhemos para Viamão, a quarta cidade mais populosa da Região Metropolitana, com 255 mil moradores, segundo o IBGE. Lá, em toda pandemia, foram feitos 14.889 testes até o início desta semana. São apenas 5.834 testes a cada 100 mil habitantes. É a cidade com mais de 100 mil moradores que menos testou na Região Metropolitana. Eldorado do Sul, a menos populosa entre os 12 municípios, com 41 mil moradores, fez 12.152 testes, apenas 2,7 mil a menos que Viamão, onde a população é seis vezes maior.
Mais uma vez, não coincidentemente, Viamão figura positivamente no ranking de incidência de casos e óbitos, não por necessariamente por combater bem a pandemia, mas por testar pouco. É a cidade com menos casos para cada 100 mil habitantes, são 2.510. Fica bem atrás de Guaíba, com 4.632 caos por 100 mil moradores, mas apenas 98 mil moradores. E é a segunda com menor incidência de óbitos, 162,2 a cada 100 mil moradores, atrás apenas de São Leopoldo, que tem uma população parecida, 236,8 mil moradores, mas um nível de testagem bem superior aos 5,8 mil de Viamão. Lá, a média é de 24.070 testes para cada 100 mil moradores.
Capital lidera em número concretos
Em número absolutos, Porto Alegre lidera, claro, por ter mais moradores. A Capital realizou 452.842 testes até o início da semana passada. Na média, são cerca de 30.520 testes por 100 mil habitantes, a terceira colocada neste ranking, atrás de Canoas e da líder, Esteio. Em relação à incidência de casos e mortes, a Capital fica em quarto lugar na contaminação, são 7.535,9 casos a cada 100 mil moradores. E também em quarto lugar na incidência de vítimas da covid-19, são 216,5 mortes por 100 mil habitantes.
Comparando com a média nacional apontada no estudo da Fiocruz de janeiro deste ano, de 11,3 mil testes a cada 100 mil habitantes, nove cidades estão acima deste índice. As três abaixo são Gravataí (10.706 testes por 100 mil moradores), Guaíba (9.725) e a que menos testa, Viamão (5.834).
Foco em testes e estudos
Na cidade que lidera o índice de testagem para covid-19 na Região Metropolitana, a iniciativa de rastrear os casos vem desde o início da pandemia. Em Esteio, moradores que apresentam sintomas fazem contato com prefeitura e são orientados a agendar testes também de todos com quem convivem, mesmo que estas pessoas ainda não apresentem sintomas. Assim, o rastreamento da doença é mais preciso.
Foi o aconteceu com o bancário Sérgio Luís Garcia Vargas, 71 anos. Morador da cidade há quase seis décadas, ele testou positivo para covid-19 em janeiro. Ao entrar em contato com a prefeitura, foi orientado a agendar exames para esposa, filha e neto que vivem na mesma casa. Agora, cerca três meses depois, sua esposa é quem contraiu a doença. Novamente todos estão sendo testados, inclusive Sérgio. Mesmo que já tenha sido infectado, como já se passaram três meses e ainda não há informações exatas sobre a possibilidade de reinfecção, o morador foi orientado a fazer novamente o RT-PCR.
— Ligamos na quarta-feira (dia 24 de março) e marcaram para hoje (26 de março). Foi bem rápido, agora é esperar os resultados, o que leva cerca de uma semana. Fiz o teste na sede da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foi bem tranquilo, ótimos profissionais — pontua Sérgio, que também está com a primeira dose da vacina já agendada.
Parceria com universidades
Esteio também fez parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Unisinos e Feevale para um estudo na cidade. O GPS Covid Esteio colocou cerca de 50 pesquisadores circulando pela cidade aplicando testes e coletando dados que têm por objetivo traçar um perfil epidemiológico, genômico e clínico do vírus na cidade.
Até o final de fevereiro, em 17 fases, foram aplicados 8.693 testes rápidos em moradores esteienses. Destes, 327 resultaram positivo para covid-19. A equipe dividiu os 13 bairros de Esteio em 149 setores, cada um com 177 domicílios em média. A cada fase, os setores eram sorteados e, neles, os pesquisadores definiam, aleatoriamente, as casas onde eram feitas as coletas.
— A importância de testar o maior número de pessoas na cidade é justamente para podermos ter efetividade nas ações de rastreamento dos casos positivos. O que permite que a gente tome as medidas de forma mais rápida e objetiva, evitando o disseminação dos casos pela cidade — pontua a secretária de Saúde em Esteio, Ana Boll.
Em Viamão, a busca pela virada
A nova gestão da prefeitura de Viamão não tem orgulho dos índices de testagem da cidade. E vem trabalhando para resolver isso. Somente nos primeiros três meses deste ano, foram 8.634 testes realizados — 58% do total. Ou seja, só em 2021, foram realizados mais testes do que durante todo ano passado. A cidade ainda tem um cenário diferente de outros municípios — o próprio prefeito, Valdir Bonatto, decidiu assumir também a pasta municipal da Saúde.
— O momento grave pelo qual Viamão passou em 2020 deixou a população desamparada e o sistema de saúde totalmente inoperante. Era necessário um choque de gestão e de comportamento. Entendi que cabia ao chefe do Executivo assumir essa responsabilidade, dando sustentação e liderando esse processo junto às equipes técnicas que estão desempenhando um excelente papel — diz o prefeito e secretário de Saúde.
Mudança de postura
Um dos primeiros passos foi reformular a atenção em covid-19 na cidade. Nove Unidades Básicas de Saúde (UBSs) passaram a ser referência em coronavírus — atendendo, testando e vacinando. Antes, somente a única Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e o único hospital da cidade atendiam e testavam. "Somente em março, foram atendidos 7.119 casos suspeitos de covid-19 nas UBSs, mais de 7 mil pessoas que deixaram de procurar a UPA, o hospital ou até a rede de Porto Alegre, por terem sido atendidas na sua região", pontua a prefeitura em nota.
Para acelerar o ritmo da testagem, a própria prefeitura também adquiriu 6 mil testes RT-PCR, não dependendo mais totalmente da testagem do Laboratório Central do Estado (Lacen-RS). "Com a demora do Lacen em informar resultados, entramos com testes nossos também, cujos resultados ficam prontos em até 48 horas depois da coleta. Os resultados passaram a ser entregues na própria UBS de referência, evitando deslocamentos desnecessários das pessoas testadas", diz o comunicado do município.
Fundamental para controlar a doença
Para o médico infectologista do Grupo Hospital Conceição (GHC), Luciano Lunardi, a média de testes por 100 mil habitantes é baixa. Segundo ele, países próximos, como Argentina e Colômbia, conseguiram taxas maiores. A nível mundial, Nova Zelândia e Canadá são exemplos. Em relação a Esteio, o médico aponta que a incidência de casos e óbitos na cidade está diretamente ligada com a testagem elevada dos moradores.
— Quanto mais a gente teste, mais acaba detectando. Isso também diminui a letalidade da doença, que é o número de mortos diante do de recuperados. Quando mais se testa, mais se rastreia casos e se isola estas pessoas.
Em relação a Viamão, acaba se tendo uma incidência menor, mas sem a real visão da situação da doença na cidade — aponta o infectologista do GHC.
Isso porque o nível de testagem pode estar contemplando somente doentes mais graves, que precisam do teste, e não contactantes que podem ter sintomas leves ou até serem assintomáticos.
Recomendação da OMS
Luciano explica que a OMS recomenda que pelo menos 3% a 12% dos total de testes seja positiva para covid-19. Se a taxa é muito mais alta, pode representar que somente doentes mais graves estão sendo testados. Se ela é muito baixa, a estratégia de testagem pode estar incorreta.
— Por isso, testar pouco é uma estratégia arriscada, pois pode mascarar o verdadeiro quadro da pandemia naquele local. A testagem em massa identifica quem está com a doença, rastreia contatos e isola eles, diminuindo a disseminação. No início da pandemia, tínhamos poucos testes, então, testou-se só quem estava sendo hospitalizado. Isso impediu rastrear e isolar contactantes, por exemplo — pontua o infectologista.
O médico elogia o aumento na testagem em 2021 no Rio Grande do Sul. Na Região Metropolitana, 60,5% dos testes foram realizados somente neste ano — sem contar Eldorado do Sul, que não informou quando testes realizou desde janeiro de 2021:
— O Estado está testando mais sintomáticos gripais e de síndrome respiratória aguda grave. É uma estratégia fundamental para controlar a doença.
Conheça os testes
- Na Região Metropolitana, são três os tipos de testes mais utilizados: RT-PCR, testes rápidos e testes sorológicos. Entenda a diferença entre eles.
- O RT-PCR é considerado a melhor opção, constatando a presença do vírus no material genético do paciente. É colhida secreção respiratória por meio do swab (semelhante a um cotonete).
- Os testes rápidos são normalmente coletados por meio de um gota de sangue num reagente, que muda de coloração com a presença do vírus. Entretanto, a confiabilidade varia muito, então ele é mais indicado para rastreamento, como estudos ou testes em massa, do que para diagnosticar pessoas contaminadas.
- O teste sorológico não detecta o vírus, mas sim a presença de anticorpos. Ou seja, ele serve para saber se a pessoa já teve contato com o vírus ou já teve a doença covid-19.
O caminho da testagem nas cidades
- Alvorada: Os testes são realizados no centro de enfrentamento ao covid-19 (Rua Wenceslau Fontoura, 240), e na unidade móvel de enfrentamento ao covid-19, no estacionamento da Escola Castro Alves. Para a realização do teste é necessário passar por avaliação médica e receber o encaminhamento por meio de requisição. Na unidade móvel, são feitos testes em pacientes vindos das unidades básicas de saúde bem como da rede privada.
- Cachoeirinha: Os locais de testagem e atendimento médico são o Hospital de Campanha, no Ginásio Municipal, e o Hospital Padre Jeremias, no bairro Parque da Matriz. Na Unidade Básica Osvaldo Cruz é feita testagem de RT-PCR, conforme atendimento na rede pública e agendamento no aplicativo Cachoeirinha Contra o Coronavírus. O Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) também realiza o teste rápido de anticorpos nos contactantes domiciliares de casos positivos.
- Canoas: A cidade tem cinco centros de testagem, distribuídos nos quatro quadrantes da cidade e na região central. Os centros funcionam de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, com a oferta de dois tipos de teste: teste rápido de anticorpos e RT-PCR _ realizado apenas com requisição médica. Aos finais de semana, os testes podem ser realizados em uma das quatro unidades básicas de saúde onde funciona o Plantão Covid, destinado a pessoas com sintomas respiratórios ou suspeita de covid-19. Além de consultas com profissionais de saúde, é possível fazer nesses locais os testes rápidos e o RT-PCR. O Plantão Covid funciona sempre aos sábados e domingos, das 8h às 20h, na UBS Guajuviras (bairro Guajuviras), UBS União dos Operários (bairro Mathias Velho), UBS Primeiro de Maio (bairro Niterói) e UBS Imaculada (bairro Rio Branco).
- Esteio: As testagens podem ser realizadas nas UBSs da cidade, em drive-thru na SMS, e/ou no Hospital São Camilo. A testagem é ofertada para pacientes que apresentem dois sintomas gripais ou contato com casos positivos.
- Eldorado do Sul: Os moradores podem se dirigir a qualquer UBS do município para testes e triagem. Em casos graves, devem ir ao ao pronto-atendimento 24 horas, que é a unidade específica de enfrentamento à covid-19 e transformada em hospital de campanha na cidade.
- Gravataí: É testado quem for encaminhado pelo hospital de campanha, pela UPA Abílio dos Santos ou de UBSs. Os testes são feitos no Quiosque da Cultura, na região central da cidade, próximo ao Hospital Dom João Becker, onde está instalada também a estrutura de campanha.
- Guaíba: Os testes, seja rápido ou RT-PCR, são disponibilizados pelo município e podem ser realizados em cinco postos de saúde — Centro, Vila Iolanda, Columbia City, Cohab, Policlínica — e no Hospital Nelson Cornetet, antigo Berço Farroupilha. Para ser testado, o paciente deve passar por consulta médica e o médico solicitará o exame, que é agendado em até três dias.
- Novo Hamburgo: Todas as UBS e Unidade de Saúde da Família (USF) realizam tanto teste rápido quanto RT-PCR. Além disso, há o Centro de Triagem Covid (CTC), no Hospital Municipal, que coleta RT-PCR. No laboratório municipal, também são agendados alguns testes rápidos.
- Porto Alegre: Os testes de diagnóstico de covid-19 pelo SUS são disponibilizados por meio de voucher emitido pelo sistema da prefeitura. As pessoas com sintomas respiratórios devem buscar atendimento em uma unidade de saúde municipal para solicitar o tíquete, após avaliação médica. De posse do voucher, o teste RT-PCR poderá ser realizado em um dos laboratórios parceiros da SMS, em unidades de saúde com estrutura para a coleta e no drive-thru no estacionamento da UFCSPA (Rua Sarmento Leite, 245). No voucher, que pode ser apresentado impresso ou pelo código em smartphone, o paciente tem acesso aos locais onde poderá fazer a testagem.
- São Leopoldo: Todas as UBSs, o Centro de Saúde Feitoria, Hospital Centenário e o Centro de Atendimento Covid, junto ao Ginásio Municipal Celso Morbach, realizam testes. O paciente pode ir ao local por demanda espontânea, desde que apresente, ao menos, dois sintomas de síndrome gripal: coriza, tosse, febre, dor de garganta. Ele passa por uma consulta/triagem e faz o teste, se for avaliada necessidade.
- Sapucaia do Sul: Pacientes podem procurar atendimento em qualquer UBS da cidade. Segundo a prefeitura, todas estão capacitadas para a testagem. Assim, a população pode procurar a unidade mais próxima de sua casa.
- Viamão: São nove UBS que podem testar na cidade: Esmeralda, São Lucas, São Tomé, Santa Isabel, Augusta Meneguine, Vila Elsa, Centro, Águas Claras e Itapuã. O município adquiriu mais 6 mil testes de RT-PCR para reforçar o trabalho em quatro unidades específicas: UBS São Lucas, São Tomé, Santa Isabel, Centro e na UPA. Nesses locais, o paciente pode saber do resultado em até 48 horas.