Um abaixo-assinado criado por um médico cardiologista pede que o Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicione contra o chamado tratamento precoce da covid-19, que consiste no uso de remédios como hidroxicloroquina e ivermectina. No ano passado, o colegiado recomendou o uso "off label" do chamado "kit covid", ou seja, a utilização das medicações fora das indicações previstas na bula.
Tanto a cloroquina quanto a ivermectina não têm eficácia comprovada contra o coronavírus. Recente estudo publicado na prestigiada revista científica Nature apontou, ainda, aumento da mortalidade de pacientes com covid-19 que utilizaram hidroxicloroquina e cloroquina.
O médico Bruno Caramelli, cardiologista e professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que o tratamento precoce tira o foco das medidas de distanciamento social e de combate à pandemia que devem ser adotadas. A petição que circula na internet já havia angariado mais de 24 mil assinaturas até a noite desta quarta.
— Com essa estratégia, as pessoas pararam de pensar no erro na distribuição de oxigênio, no aumento disparado da taxa de infecção pelo coronavírus, pararam de usar máscaras. Estudo da Fiocruz Amazônia mostra que a taxa de doença e sorologia contra a covid é maior entre aqueles que usaram tratamento precoce voluntário em casa. Não é uma especulação minha de que o tratamento precoce vá fazer com que as pessoas relaxem e não tomem mais cuidado. Isso tem dados — disse ele, em entrevista ao jornal O Globo.
O médico também afirmou que, se a pessoa tiver sintomas suspeitos de coronavírus, o indicado é procurar o posto de saúde mais próximo e não se automedicar. Ele também fez uma representação contra o CFM ao Ministério Público Federal (MPF). Como já havia um procedimento instaurado pedindo justificativas do CFM por não se posicionar contra o "kid covid", as representações foram unidas.
De acordo com O Globo, o MPF enviou um ofício, em 30 de março, perguntando se o CFM pretende rever seu posicionamento em relação ao chamado tratamento precoce. Em 16 de abril, o CFM solicitou que o prazo de resposta fosse estendido por mais 15 dias.
Durante audiência pública da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado na segunda-feira (19), o vice-presidente do CFM, Donizette Giamberardino Filho, disse que a entidade "não recomenda e não aprova tratamento precoce e não aprova também nenhum tratamento do tipo protocolos populacionais (contra a covid-19)”.
Segundo o médico, o que o CFM fez foi dar autorização fora da bula (off label) em situações individuais e com autonomia das duas partes, ou seja, do médico e do paciente.
— Esse parecer não é habeas corpus para ninguém. O médico que, tendo evidências de previsibilidade, prescrever medicamentos off label e isso vier a trazer malefícios porque essa prescrição foi inadequada, seja em dose ou em tempo de uso, pode responder por isso — avaliou o dirigente.
Perguntado por senadores sobre uma revisão de posicionamento do CFM diante de evidências científicas de ineficácia do uso da hidroxicloroquina e da ivermectina para tratar a covid-19, o médico disse que a entidade está frequentemente reavaliando condutas, mas que, nesse caso, só uma decisão de plenário poderia reverter a orientação dada em abril do ano passado:
— O Conselho Federal estuda a todo momento. Esse parecer pode ser revisto? Pode, mas é uma decisão de plenário, eu não posso fazer isso por minha opinião. O que eu repito é que a autonomia é limitada ao benefício. Quem ousa passar disso, responde por isso.