A afirmação do governador Eduardo Leite de que deve manter a bandeira preta no Rio Grande do Sul na próxima semana foi classificada como corajosa e crucial para tentar conter o forte avanço do coronavírus no território gaúcho, avaliam especialistas da área de saúde consultados por GZH.
— Os hospitais estão saturados nesta semana e não deixarão de estar na próxima. O período de duas semanas de restrição é o mínimo que devemos ter para conseguirmos começar a notar algum impacto de arrefecimento da pressão nos hospitais — observa Alexandre Schwarzbold, presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI).
A queda na circulação de pessoas também é vista como essencial por Cláudio Oliveira, diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Ele afirma que vivemos um momento de ascensão e de descontrole da curva de contágio pela covid-19:
— Estamos chegando ao esgotamento das equipes nos hospitais e também no limite da abertura de novos leitos. A queda na circulação do vírus se dá com a redução da circulação de pessoas. Precisamos dessa baixa nos números de internados, por isso, a decisão do governador foi acertada.
Ricardo Kuchenbecker, gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), observa que os leitos de UTI são os últimos compartimentos do sistema de saúde a serem preenchidos — já que antes existem os postos de saúde e pronto-atendimentos. E também são os últimos a voltarem a operar em condição segura.
— Quando se alcança 100% de ocupação dos leitos de unidade de terapia intensiva, não resta dúvidas sobre a necessidade de continuidade das regras mais restritas de locomoção e de distanciamento social. A prorrogação da bandeira preta não diminuirá a procura por leitos de imediato, mas é extremamente necessária para que a gente possa vislumbrar isso no futuro. A decisão é acertada e corajosa, ainda mais neste contexto no qual a pandemia assumiu características novas, com taxa de reprodução do vírus acima de 2. Isso quer dizer que, de 100 pessoas infectadas, elas transmitem o coronavírus para outras 200 — diz.
O diretor-presidente do GHC ressalta que os efeitos dessa primeira semana de bandeira preta só serão sentidos por volta do dia 12 de março, ou seja, serão muitos dias de pressão no sistema de saúde pela frente. Ainda acrescenta que a conta das aglomerações de Carnaval está para chegar:
— O que vivemos agora é reflexo da cepa P1 (variante brasileira), que já circula no Estado e que tem uma taxa de transmissibilidade muito elevada, descaso das pessoas com as medidas de distanciamento e praias lotadas. Esse ainda não é o reflexo do Carnaval, mas ele vai chegar.
Kuchenbecker ressalta que agora todos devem se unir no combate à pandemia:
— Mais do que nunca precisamos de integração no comportamento da União, Estados, municípios e da sociedade. Estamos diante de um cenário muito delicado, de alta contaminação. Por isso, a discussão sobre distanciamento e regras mais rígidas se torna até superada, isso no sentido de que não há discussão sobre a gravidade do que vivemos. Os hospitais e PAs já estão ficando sem aparelho de ventilação mecânica para as pessoas. A gente vive um colapso.
Antonio Kalil, diretor médico da Santa Casa de Misericórdia da Capital e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), aponta que a medida levou tempo até ser aplicada e, agora, os resultados da iniciativa podem demorar para serem sentidos:
— Vivemos momentos de muito permissividade e de omissão no controle das pessoas ao longo deste verão. Essa situação, somada à agressividade desta cepa P1, colaboraram para que chegássemos onde estamos. É uma decisão dura, que afeta a vida da população, mas que foi certa, porque não temos outra opção. Os hospitais estão colapsados e não temos vacina para todos. Pode ser, até mesmo, que precisemos de mais tempo com restrições de mobilidade, mas isso terá de ser analisado semana a semana.