Especialistas, tanto de área de análise de dados quanto da saúde, concordam que a situação da pandemia ainda vai piorar antes de melhorar no Rio Grande do Sul. É que o aumento do contágio está diretamente relacionado ao comportamento social. Quanto maior a circulação de pessoas, maior o contato entre elas e maior transmissão do vírus. Ainda mais considerando a nova variante que, as autoridades já demonstraram, tem velocidade de propagação maior. Esse foi o raciocínio que norteou a implementação da bandeira preta em todo o Estado no último sábado. O que o governo pretende com as medidas restritivas é reduzir a circulação para conter a proliferação da doença.
O problema é que os casos contabilizados agora ainda são reflexo do movimento de semanas atrás e eles devem continuar surgindo por muitos dias. Ou seja, estamos em uma crescente de contaminação. Leva um tempo para que as restrições causem efeito na curva de disseminação da doença. O que se projeta é que a curva deve seguir crescendo um tempo, mas que essa taxa comece a diminuir, até que a curva estabilize para, por fim, começar a descer.
Para o cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, seria preciso no mínimo 15 dias de restrição à circulação para que se comece a perceber um arrefecimento. Ainda, segundo ele, é preciso que a comunidade atenda ao apelo e saia apenas para o estritamente necessário, mesmo assim mantendo distâncias recomendadas e utilizando a máscara de forma correta. Enquanto isso, a projeção é que tenhamos mais casos e, com isso, o agravamento da situação do atendimento da rede hospitalar, que já atua além da capacidade em Caxias do Sul.
– Se a pessoa contraiu o vírus hoje, vai começar a transmitir daqui a três, quatro, cinco dias. Se passar para as pessoas da casa dela, para esses, o prazo de 15 dias vai começar a contar daqui a cinco dias. Por isso, essa cadeia do contágio acaba aumentando a duração necessária para restrições de circulação. As pessoas que se infectam durante o período de restrição incubam (o vírus) e saem contaminando outras depois do fim da restrição. Aí, a queda (de casos) não se sustenta. As pessoas têm de ficar longe umas das outras, essa é a mensagem. Quanto mais longe umas das outras pelo maior tempo possível, menor a chance de que elas, caso estejam contaminadas, infectem outros – pondera Schrarstzhaupt.
Por isso também, segundo o cientista de dados, é difícil projetar quando as medidas restritivas adotadas neste momento começarão a ter efeito. Isso envolve, entre outros fatores, a efetiva adesão da população – se a população não aderir, demora mais pra cair a quantidade de casos.
Fernanda Marçolla Weber, infectologista do Hospital Beneficente São Pedro de Garibaldi, acredita que uma semana de restrições não será suficiente e que dependerá muito do comportamento da comunidade:
– Provavelmente não será o suficiente. Principalmente, pois as aglomerações clandestinas continuam ocorrendo. Não basta o governo do Estado tomar medidas extremas se não ocorrer conscientização de toda população, principalmente jovens. Quem acaba sofrendo o ônus é o comerciante.
A reportagem ouviu infectologistas que atuam em Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha e Garibaldi. Em geral, elas apontaram a velocidade acelerada no crescimento de casos, a percepção de que a situação ainda vai piorar em março e o aumento de pacientes mais jovens necessitando de cuidados hospitalares.
– Considerando o volume de pacientes com infecção por Sars CoV-2 internando tanto em enfermaria quanto em unidade de terapia intensiva, a perspectiva é que o mês de março evolua com piora importante do cenário. Imaginamos ainda de quatro a cinco semanas vivendo esse contexto, de muitas entradas de pacientes, apresentando um perfil de agravamentos mais rápidos, e uma faixa etária menor, quando comparamos com os momentos anteriores de aumento de casos que vivenciamos em 2020 – analisou a diretora técnica do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, infectologista Nicole Golin.
No Hospital Unimed de Caxias, por exemplo, a média de idade dos pacientes era de 70 a 90 anos e atualmente fica entre 30 e 50 anos.
O que dizem as especialistas da saúde
"Esperamos ainda ter um aumento de casos, infelizmente. A curva de casos novos e óbitos ainda poderá subir como reflexo do comportamento social. Os hospitais já estão ocupados na sua totalidade. É possível que falte recurso se continuarmos nessa projeção. Não é momento para saídas desnecessárias, aglomeração e afrouxamento do uso de máscaras e álcool gel."
Viviane Buffon, infectologista do Hospital Geral de Caxias do Sul
"Sabemos que as pessoas ainda estão com problemas de manter o isolamento e uso de máscara. Isso faz com que possa piorar ainda situação na nossa cidade. Nós precisamos de medidas de restrição adequadas. Não é tudo restrito, mas precisa haver restrição com responsabilidade. As pessoas que vão à áreas comerciais precisam estar usando máscaras, precisam manter um distanciamento, fazer a sua parte na comunidade para diminuir o processo de transmissão. Esperamos uma piora ainda no mês de março antes de estabilizar um pouco mais."
Lessandra Michelin, infectologista do Hospital Unimed de Caxias do Sul
"O cenário atual é aterrorizante, mas, se neste momento diminuirmos a circulação do vírus na comunidade, realizando o distanciamento social, saindo de casa só quando estritamente necessário, usando máscara e higienizando as mãos, poderemos ver daqui umas duas semanas a diminuição dos casos positivos e, consequentemente, os quadros graves que necessitam de internação hospitalar em leitos de enfermaria e de UTI."
Joana de Souza Sanchotene Moschen, infectologista do Hospital São Carlos em Farroupilha
"Enfrentamos o pior momento da pandemia no nosso Estado. Ocorreu um aumento alarmante no número de hospitalizações não precedido por um aumento proporcional no número de casos nas semanas anteriores. O mês de março tende a manter-se com níveis elevados de contágio. Provavelmente, as medidas tomadas agora terão seu efeito sentido a partir da metade do mês. Não é o momento para diminuirmos as medidas preventivas (máscaras e higienização de mãos principalmente)."
Fernanda Marçolla Weber, infectologista do Hospital Beneficente São Pedro de Garibaldi