A iminente volta às aulas, ao mesmo tempo em que as primeiras doses de vacina contra a covid-19 são aplicadas no Brasil, desperta dúvidas em pais e mães sobre quando poderão vacinar seus filhos contra o coronavírus.
Especialistas consideram importante incluir crianças e adolescentes na campanha de vacinação, atualmente restrita a maiores de 18 anos no país, para evitar que se transformem em uma espécie de repositório do vírus e o mantenham em circulação. A falta de estudos clínicos para esse grupo e a escassez global de imunizantes, porém, tornam difícil que isso seja contemplado ainda em 2021.
As duas vacinas já autorizadas para uso nacional, CoronaVac e de Oxford, foram liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para maiores de idade pelo fato de que os ensaios clínicos realizados até agora não contemplaram as faixas mais jovens.
— Muitas vezes o caminho é esse mesmo. Começam os testes com adultos e, depois que já há indicação de que a vacina é segura, são ampliados. No caso da covid-19, não se sabe ainda muito bem o motivo, os mais idosos são mais vulneráveis a complicações. Por isso, são a prioridade para imunização no mundo todo — explica o integrante do comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Juarez Cunha.
Consultados por GZH, o Instituto Butantan (responsável pela CoronaVac em solo nacional) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, que coordena os testes da vacina de Oxford no país) informaram que ainda não há uma data precisa para início de ensaios clínicos com crianças e adolescentes em território brasileiro. O Butantan comunicou apenas que os menores de 18 anos serão incluídos nas "fases futuras" dos testes.
Apesar de não ser considerada prioritária por enquanto, a imunização de crianças e adolescentes é considerada uma etapa muito importante para se alcançar a imunidade coletiva capaz de bloquear a circulação do vírus. Conforme o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse grupo representa 29,5% dos brasileiros — para atingir o patamar de 70% da população imunizada que costuma garantir a imunidade social, seria necessário vacinar praticamente todo o resto do país. Ainda assim, os mais jovens poderiam manter o vírus ativo.
— Considerando que algo em torno de um quarto da população mundial é de crianças, elas poderiam se transformar em "reservatório" da doença enquanto não são vacinadas. Mesmo que não costumem apresentar as formas mais graves da covid-19, são portadoras e transmissoras do vírus — observa o presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia, Alexandre Schwarzbold.
Ele avalia ser pouco viável que o país aprove o uso de imunizantes para essa faixa etária e consiga doses suficientes para atendê-la nos próximos meses.
— Antes do final do ano, não deveremos estar vacinando a população pediátrica. Nenhum estudo tem dados consistentes ainda de segurança e eficácia — diz Schwarzbold.
Ainda assim, Schwarzbold, que coordena a pesquisa envolvendo a vacina de Oxford na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), acredita que, em algum momento próximo, o produto será testado em crianças no Brasil.
Cunha também considera "pouco provável" contemplar a parcela infantil ainda em 2021:
— Em razão da demora para a vacinação, precisamos lembrar de manter o uso das máscaras, lavagem das mãos e distância entre as pessoas. São coisas simples, mas que salvam vidas.
GZH entrou em contato com o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Veja, a seguir, respostas para algumas das principais dúvidas envolvendo a imunização de pessoas com menos de 18 anos.
Tire suas dúvidas sobre vacinação de crianças e adolescentes
Por que crianças ainda não podem ser vacinadas contra a covid-19?
Porque ainda não foram realizados ensaios clínicos que comprovem cientificamente a segurança e a eficácia dos imunizantes entre os mais jovens. Esses estudos precisam ser feitos para se avaliar também a dosagem adequada para essa faixa etária.
Elas não poderiam ter sido incluídas nos estudos já realizados?
Isso normalmente não ocorre. Os adultos costumam ser os primeiros incluídos em ensaios clínicos de vacinas e medicamentos. Somente após comprovações iniciais de segurança, os mais jovens passarão a fazer parte dos testes. No caso da covid-19, além disso, a prioridade máxima foi dada aos mais velhos pelo fato de serem a população sujeita às formas mais graves da doença.
Quando estudos envolvendo crianças serão realizados?
Laboratórios já começaram a anunciar a realização de ensaios envolvendo menores de 18 anos em outros países. A Pfizer divulgou que vai fazer um estudo com 2 mil crianças e adolescentes de 12 a 15 anos. O imunizante da Pfizer, ainda não disponível no Brasil, permite imunização a partir dos 16 anos. Outras vacinas são para maiores de 18 anos. A Moderna também já iniciou o processo para testar em crianças e adolescentes em países como os EUA. Ainda não há resultados.
Quando será possível saber se as vacinas são seguras e eficazes para crianças?
Não há prazo certo até o momento. Isso vai depender, entre outras questões, da taxa de infecção por covid-19 entre os participantes dos ensaios clínicos. Uma taxa mais alta permite obter casos mais rapidamente para compará-los com o grupo que toma placebo, e assim medir a eficácia do imunizante. Uma taxa mais baixa exige mais tempo para produzir resultados robustos. Testes completos levam de um a dois anos, mas resultados preliminares poderiam ser obtidos em alguns meses (como ocorreu entre os adultos).
As vacinas disponíveis no Brasil já estão sendo testadas para essa faixa etária no país, ou há previsão para isso começar?
Segundo a assessoria de comunicação do Instituto Butantan, responsável pela produção da CoronaVac no país em parceria com chineses, menores de 18 anos deverão ser incluídos "em fases futuras" dos testes. Não foi informada uma data para isso ocorrer. A assessoria de imprensa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena os testes da vacina de Oxford no Brasil, diz que "até o momento não há informação sobre estudos envolvendo menores de 18 anos".
Seria possível liberar vacinas para esse grupo com base em ensaios realizados em outros países?
Pouco provável. Conforme o membro do comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, Juarez Cunha, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prefere ter resultados locais para avaliar a segurança e a eficácia de vacinas antes de liberá-las.
— O perfil de resposta (à vacina) nem sempre é igual entre populações diferentes. Muitos fatores podem interferir, como etnia, faixa etária, genética. Conseguimos liberar as vacinas para os adultos com alguma facilidade porque foram estudadas aqui — comenta Cunha.
É possível que menores de 18 anos comecem a ser vacinados ainda neste ano no Brasil?
Essa perspectiva é considerada pouco viável. Além do prazo necessário para realizar todos os testes obrigatórios e obter aprovação das autoridades de saúde, o Brasil já enfrenta dificuldades para vacinar nesse prazo as 77 milhões de pessoas consideradas prioritárias (que incluem idosos, profissionais de saúde, pessoas com comorbidades, entre outras) e que já contam com imunizantes autorizados para uso.
Se a criança tiver alguma comorbidade, poderia ser vacinada antecipadamente como parte desse grupo prioritário?
Conforme o integrante da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Juarez Cunha, deverão aguardar a liberação das vacinas para a sua faixa etária em razão de ainda não haver estudos conclusivos de segurança e eficácia.
Qual o risco se demorar muito a vacinação para crianças e adolescentes?
Os mais jovens estão muito menos sujeitos a complicações graves da covid-19, embora elas ainda possam ocorrer. No Rio Grande do Sul, apenas 0,2% dos 10,4 mil óbitos registrados até o momento envolveram pessoas até 19 anos. Sob o ponto de vista epidemiológico, o risco é as crianças e os adolescentes se converterem em "repositórios" do vírus, mantendo-o em circulação depois da maior parte das outras faixas etárias já terem sido vacinadas.