O Conselho da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) expressou, em nota divulgada nesta sexta-feira (15), preocupação com medidas de combate ao coronavírus adotadas nas primeiras semanas de gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre. Em sua crítica, o conselho destaca os riscos do relaxamento de medidas protetivas de distanciamento e proteção pessoal e a ineficácia no fornecimento de medicamentos sem comprovação científica para o "tratamento precoce" da covid-19.
Melo publicou um decreto com regras que vão ao encontro do objetivo anunciado pelo prefeito na campanha, de manter o máximo de setores da economia de Porto Alegre em funcionamento durante a pandemia da covid-19. Com horários de funcionamento e lotações mais relaxadas, a prefeitura de Porto Alegre definiu como cada setor deve operar.
Após também afirmar publicamente que seu governo disponibilizaria "tratamento precoce" para a covid-19 em Porto Alegre, o prefeito e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) solicitaram ao governo federal 25 mil doses de hidroxicloroquina. O pedido da prefeitura está tramitando no Ministério da Saúde, e a carga do medicamento deverá chegar à capital gaúcha no final de janeiro. Não haverá custos ao município, já que a União dispõe de excedente da hidroxicloroquina.
Para o conselho da Famed, as medidas de distanciamento social têm evidências significativas de efetividade, e o fornecimento de medicamentos como a hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina incorre em um equívoco na condução das políticas de saúde pública, que devem estar voltadas à redução de casos de infecção e de óbitos causados pela doença.
"Tais medidas, além de ampliarem os gastos dos recursos financeiros públicos de maneira indevida, ameaçarão diretamente a saúde dos nossos concidadãos e fragilizarão ainda mais a qualidade da assistência prestada pelos profissionais de saúde, ampliando a tensão na linha de frente de enfrentamento ao covid-19, graças à produção de uma demanda forçada", diz o documento.
A nota do conselho expõe ainda que recomendar tratamentos com eficácia não comprovada, além de não oferecer segurança individual ou coletiva, cria "um precedente inquestionável de ruptura do uso da ciência na tomada de decisões para o melhor uso de recursos em saúde".
O conselho ressalta ainda a inexistência de evidências científicas que sustentem a implementação de tais medidas. Como exemplos, cita o National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos, e o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, órgãos que não recomendam o uso dessas estratégias e medicamentos. A Sociedade Brasileira de Infectologia, sustenta o documento, também vem se manifestando sistematicamente no mesmo sentido.
"Apela-se para o espírito público de nossos gestores e solicita-se a revogação imediata das medidas adotadas em desconformidade com as orientações sanitárias e científicas, em benefício da sociedade porto-alegrense", pede o conselho, no documento.
Confira a nota na íntegra:
NOTA DO CONSELHO DA FACULDADE DE MEDICINA
A centenária Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED-UFRGS), fiel a seus compromissos junto à sociedade brasileira, de garantir formação médica de alta qualidade, de produzir ciência de ponta e de promover saúde, vem, por meio desta carta, externar sua grande preocupação com as medidas de combate à epidemia de COVID-19 adotadas em Porto Alegre.
O relaxamento de medidas protetivas de distanciamento e proteção pessoal, as quais possuem evidências significativas de efetividade, assim como o fornecimento de medicamentos sem comprovação científica para a profilaxia dessa infecção - o chamado “tratamento precoce” - incorrem em um equívoco na condução das políticas de saúde pública, as quais devem estar voltadas à redução de casos infectados e de óbitos causados por essa doença.
Tais medidas, além de ampliarem os gastos dos recursos financeiros públicos de maneira indevida, ameaçarão diretamente a saúde dos nossos concidadãos e fragilizarão ainda mais a qualidade da assistência prestada pelos profissionais de saúde, ampliando a tensão na linha de frente de enfrentamento ao COVID-19, graças à produção de uma demanda forçada. Ao recomendar-se tratamentos com eficácia não comprovada, além de não ser oferecida segurança individual ou coletiva, cria-se um precedente inquestionável de ruptura do uso da ciência na tomada de decisões para o melhor uso de recursos em saúde.
Cabe ressaltar a inexistência de evidências científicas que sustentem a implementação de tais medidas. Como exemplos, o National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos da América, e o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, ambos órgãos nacionais, não preconizam o uso dessas estratégias e medicamentos para tais fins. A Sociedade Brasileira de Infectologia também vem se manifestando sistematicamente no mesmo sentido. Todas essas instituições reconhecem a importância da vacinação para o controle da epidemia.
Apela-se para o espírito público de nossos gestores e solicita-se a revogação imediata das medidas adotadas em desconformidade com as orientações sanitárias e científicas, em benefício da sociedade porto-alegrense.
A FAMED-UFRGS, sempre atenta e compromissada com a saúde da sociedade brasileira, seguirá empenhada no combate a essa pandemia e na redução de seus impactos, defendendo a utilização das melhores práticas científicas e estando à disposição para manter diálogo e permanente troca de informações. A sociedade pode contar conosco.
Porto Alegre, 15 de janeiro de 2021.